Por três perspectivas, o G1 conta como foram esses primeiros dias desde que a lama engoliu vidas e despejou sofrimento em toda a cidade.
Sexta-feira, 25 de janeiro. A pausa do horário do almoço na cidade em que todos se conhecem parece já durar uma semana. Desde que a barragem da Vale se rompeu, Brumadinho vive a dor, o luto e a falta de respostas de uma tragédia que não parece ter fim.
Pela perspectiva de um oficial da Polícia Militar (PM), de um sobrevivente e da fé de milhares de moradores da cidade de cerca de 40 mil habitantes, o G1 conta como foram esses primeiros dias desde que a lama engoliu vidas e despejou sofrimento.
Busca
Para quem espera notícias sobre os mais de 200 desaparecidos ou para aquelas 110 famílias que tiveram a certeza da morte, a última semana se traduz em agonia e uma tristeza imensurável.
Busca tem sido palavra constante nestes oito dias – tanto para quem aguarda respostas ou para aqueles que, incansavelmente, tentam amenizar o sofrimento da população, que, ao menos, espera poder enterrar os corpos de parentes e amigos.
Por terra ou por ar, do amanhecer ao entardecer, equipes do Corpo de Bombeiros varrem toda a área tomada pela mancha de lama. Para que a operação das equipes de busca prossiga, um trabalho integrado, envolvendo inúmeros órgãos, tem sido posto em prática.
Neste apoio, a Polícia Militar (PM) mobilizou quase mil integrantes da corporação, seja para garantir a segurança de casas que tiveram que ser abandonadas às pressas, evitar o acesso às áreas inundadas pelo mar de rejeito ou auxiliar os trabalhos de uma eventual evacuação de áreas de risco, como aconteceu no terceiro dia após a tragédia, quando sirenes soaram alertando sobre a situação de outra barragem na Mina do Feijão.
De dentro do complexo da Vale, o porta-voz da PM mineira, major Flávio Santiago, observa o traçado do rejeito e conta como foram os primeiros instantes da atuação dos policiais após o estouro da barragem.
“No momento em que rompe a barragem, os policiais que atuam diretamente aqui na cidade, eles chegam primeiro e têm a missão árdua e talvez a mais difícil: socorrer as pessoas, isolar o local”, diz.
Inteligência emocional foi uma das habilidades que os militares tiveram que exercitar desde o primeiro minuto em que passaram a circular, pelo WhatsApp, vídeos e áudios de pessoas que viam a enxurrada de rejeito se aproximar. “Tem que ter inteligência emocional para lidar com a situação de perda entes queridos também”, diz o major.
Sobrevivência
Além de policiais e bombeiros, nos instantes iniciais deste desastre, moradores da cidade também foram decisivos para quem lutava pela sobrevivência.
As marcas da tragédia estão evidentes na pele e nos olhos de Ronan Otávio Ribeiro de Oliveira, de 14 anos. No jeitinho envergonhado do menino, esconde-se uma fortaleza, que garantiu a vida na tarde do último dia 25.
Na hora em que a barragem da Vale se rompeu, Ronan nadava num córrego que se transformou em mar – de lama.
“Tem tanta gente muito mais experiente, que tinha muito mais chance de sobreviver e que está morto, e ele – uma criança – graças a Deus sobreviveu a tudo isso e está aí para contar história”, diz a mãe de Ronan, Luciane Ribeiro, de 40 anos.
E a história de Ronan impressiona. Por cerca de quatro horas, ele ficou desaparecido, colocando em xeque a esperança da família, que, por momentos, esvaiava-se.
“A lama seguiu o percurso do córrego, e ele estava nadando lá. Por isso que a gente se desesperou e meu marido achou que não tinha como ele sobreviver. É Deus mesmo, não tem outra explicação”, conta.
Engolindo o que encontrava em seu caminho, a enxurrada de rejeito também arrastou Ronan. Mas a força do menino conseguiu superar à da lama.
“E aí eu nadei na lama e fui pro meio da mata”, relembra o garoto, que, agarrou-se a um coqueiro para conseguir permanecer vivo até que um de seus irmãos o achasse por volta das 17h.
“Foi uma loucura total porque a gente pensava que ele estava sumido, na mesma hora, dava uma esperança; na mesma hora, aquela esperança, alguém fala assim: ‘não, não tem jeito porque o Ronan não tem como ter saído dessa lama, aonde que ele estava, não tem como. Aí outro falava: ‘não, Ronan está do outro lado”, relembra. Luciane diz que, sem esperanças, o marido chegou a pensar em ir embora sem o filho.
“Foi a hora que eu comecei a gritar desesperada: ‘Ronan, Ronan, eu não vou embora sem você, não. Cadê você?’. Aí, eu ouvi vozes e perguntei aos amigos aqui do bairro: ‘gente, vocês estão ouvindo?’. E todo mundo falava: ‘nós estamos ouvindo, O Ronan está bem e está do outro lado’, diz.
Luciane conta que, depois que João Vitor, o filho do meio, conseguiu resgatar o caçula Ronan, o sentimento, mais uma vez, foi de desespero.
“Por que ele já estava com o olho muito inchado, já estava todo roxo assim (…) Você está esperando que vai achar, mas não naquela situação”.
Ronan ficou internado até esta quinta-feira (31), quando pôde, enfim, voltar para casa. “Graças a Deus, hoje, para a minha família, hoje, é só vitória. Apesar de que tem muitas que estão sofrendo demais”, pondera Luciane.
Fé
Para as famílias que não tiveram a mesma sorte que a de Ronan, ficam muitas perguntas. Onde estará? Ainda é possível ter esperança? Os culpados serão punidos como a lei determina? E, sobretudo, por quê?
Em busca de uma resposta para esses porquês, a fé e a religião, muitas vezes, trouxeram a força e o conforto para que parentes e amigos atravessassem esta semana de aflição e luto.
Além do alento das palavras dos padres, aos pés da escadaria da igreja, voluntários, como em tantos momentos durante esta semana, ofereciam solidariedade – desta vez, em forma de abraços e flores.
“A gente sabe quanto que eles estão sofrendo. Muitos até ainda não encontraram seus entes queridos. Aqui é uma cidade que está de luto e parece que é parte de uma cidade que se foi. E ainda é mais difícil de se perguntar por quê”, afirma o Frei Hudson Barcelos.
Ao mesmo tempo em que a missa de sétimo dia era celebrada, na Igreja Batista Ebenézer, no bairro Tejuco, um culto era realizado. Os fiéis oravam pelas famílias daqueles que se perderam em meio à lama e agradeciam pela vida de quem conseguiu escapar da avalanche de lama. Na mensagem da missionária Andreia de Paula, a mesma tentativa de se responder os porquês de tamanha tragédia.
“Nós cremos em um Deus que trabalha para aquele que espera por ele, e a nossa esperança está em Jesus Cristo de que o Senhor Jesus vai fazer algo sobrenatural em Brumadinho, de que o Senhor vai consolar a família brumadinense, de que Deus vai levantar essa população e que Brumadinho vai superar a dor desse trauma”, disse a missionária.
A angústia das famílias da cidade ganhou um espaço de desabafo nesta terça-feira (29). Na noite daquele dia, dezenas de pessoas se reuniram em torno do letreiro que leva o nome da cidade em vigília e oração. Desde então, o local se tornou cenário de homenagens e protesto. Nesta sexta-feira (1º), dia em que a tragédia completa uma semana, as dez letras amanheceram encobertas por sacos pretos em sinal do luto que assola o município – e todo o país.
FONTE: G1