O Supremo Tribunal Federal deu início, nesta quarta-feira (27/2), ao julgamento de de oito ações que questionam trechos da Lei de Responsabilidade Fiscal. No total, são 28 normas impugnadas e as decisões acerca da constitucionalidade delas pode ter impacto sobre os cofres dos estados e da crise financeira que muitos deles enfrentam.
Pela LRF, o limite de gastos com pessoal da União é de 50% das receitas. Para os estados e municípios, o percentual é 60%. A lei estipula que os gastos com pessoal nos estados não podem superar 60% da receita corrente líquida. Desse valor, o Legislativo estadual, incluído o Tribunal de Contas, pode gastar 3% com pessoal, o Judiciário, 6%, o Ministério Público, 2%, e o Executivo, os 49% restantes. Todas as ações contestam o artigo que define esses percentuais. Um dos argumentos é que esse trecho desrespeita o princípio constitucional da separação dos Poderes.
A sessão no STF teve apenas sustentações orais dos representantes das entidades que apresentaram as ADIs. O advogado Paulo Machado Guimarães, em nome do PCdoB, argumentou contra o que chamou de excessos normativos que fundamentalmente comprometem a separação de poderes e atinge direitos e garantias de servidores públicos. “Os dispositivos podem ter efeitos nefastos, inclusive à própria administração pública”. De acordo com ele, o partido apresentou a ação por entender que a LRF feriu garantias individuais dos cidadãos ao prever redução da jornada de trabalho e, consequentemente, dos salários.
De acordo com ele, 1,5 milhão de servidores podem ser atingidos. “Não há questionamento quanto à redução de cargos em comissão. Então não terá esses servidores em prestação de serviços. mas aqui estamos falando de servidores efetivos. Não há justificativa para que esta situação seja mantida”, ressaltou.
Eugênio Aragão, advogado do PT, destacou que o partido reconhece a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas que a Constituição veda a redução de salários. “Há situações em que as finanças exigem do administrador, dos governantes, medidas que são drásticas para colocar as finanças em ordem. Isso acontece em crises financeiras, como aconteceu em Portugal. Mas, não é algo que se possa considerar rotina”.
Aristedes Junqueira sustentou em nome da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). O foco dele foi o dispositivo da lei que limitou em 2% os gastos dos estados com pessoal do Ministério Público local. Seria uma quebra de independência da instituição. “Não compete à lei complementar imiscuir-se nessa autonomia do Ministério Público de gerir sua própria instituição e fazer sua política remuneratória”, argumentou.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, exaltou a LRF como uma lei que preza pela transparência das verbas públicas, definindo o bom uso do dinheiro público, fortalecendo, assim, a democracia. “Não é uma lei que exige transparência, bom uso do gasto, bom uso do dinheiro público, equilíbrio nas contas públicas para alcançar objetivos fictícios. Muito ao contrário. Esta lei quer que o gestor público esteja comprometido com o bom exercício dos deveres do Estado”, afirmou.
Para ela, no entanto, é inconstitucional a possibilidade de corte nos salários de servidores para equilibrar a conta dos estados. A ineficiência do gestor poderia ser resolvida, de acordo com a norma, com a redução de remuneração de cargos e funções. “Uma solução que tem um apelo de imediatidade de eficiência, mas que fere o Artigo 37 da Constituição, quando ele diz que subsídios e vencimentos são irredutíveis”.
LRF
Movidas por partidos, associações de servidores públicos e outras entidades, as ações alegam, entre outros pontos, que o estabelecimento para estados e municípios de um limite de gasto com pessoal afrontaria a autonomia financeira dos entes; a autorização para o Poder Executivo limitar o empenho da verba destinada a outros poderes que ultrapassam os limites de gastos com pessoal ofenderia a separação dos poderes; seria contrária ao princípio constitucional da irredutibilidade de salários a determinação para que o ente que ultrapasse limites de gasto com pessoal adote medidas como a redução da jornada de trabalho.
Em agosto de 2007, o Plenário concluiu o julgamento liminar na ADI 2238, apresentada pelo PCdoB, PT e PSB, e deferiu parcialmente as medidas pleiteadas. Em discussão estão pontos como os limites de gastos com pagamento de pessoal impostos LRF a órgãos como TCs, MPs e outros. Também está sob análise se é possível incluir a despesa com pensionistas no limite de gastos com pessoal, e o dispositivo da LRF, suspenso por medida liminar, que faculta aos estados-membros a redução de jornada de trabalho com redução salarial no serviço público.
A possibilidade de redução da jornada de trabalho e dos salários de servidores públicos em caso do não cumprimento das metas de gastos com pessoal também está entre os temas listados. Ela estava prevista na redação original da norma, mas foi considerada inconstitucional pela Corte em 2000, quando o tribunal julgou a liminar do caso.
A LRF estabelece em um dos dispositivos que quando os gastos com pessoal ficarem acima de 60% da receita corrente líquida (RCL), o governador poderia fazer ajustes em seus quadros como “a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”. Cargos esvaziados não poderiam ser criados por quatro anos.
Ex-AGUs
Logo no início da sessão, o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, colocou ao colegiado questão de ordem em relação à sua própria atuação, sobre possível impedimento e suspeição. Toffoli estava na Advocacia-Geral da União quando o pleito teve a tramitação iniciada. Ao submeter a questão ao colegiado, Toffoli afirmou não ter atuado diretamente nos processos sobre a LRF.
Toffoli afirmou que “sequer atuei institucionalmente nos autos”. O presidente disse que apenas encaminhou para a Presidência parecer elaborado por outro advogado da AGU sobre o tema à Presidência para subsidiar a discussão. Toffoli afirmou que foi um ato protocolar e que não se manifestou sobre o mérito da celeuma colocada ao tribunal.
Em meio ao debate sobre o assunto, o ministro Alexandre de Moraes, relator das ações, lembrou que o ministro Gilmar Mendes estava na mesma situação do presidente, tendo também atuado como AGU no período. Na análise de liminar sobre o caso, Gilmar se declarou impedido. Alguns ministros colocaram que a questão seria de foro íntimo dos colegas. Com isso, por unanimidade, ficou acertada, de início, a participação dos dois no julgamento. Ao final do julgamento, Toffoli afirmou que vai incluir as sugestões suscitadas pelas colegas e levar o tema ao colegiado na próxima sessão em que as ações forem analisadas.
Nesta quarta, apenas as sustentações orais foram ouvidas pelos ministros. A sessão foi suspensa e nova data deve ser divulgada pelo presidente, Dias Toffoli, quando o caso será retomado com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. Nesta quinta, Toffoli afirmou que irá seguir a pauta prevista no calendário no Plenário.
FONTE: CONJUR
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