As obras da transposição das águas do rio São Francisco começaram em 2007, com previsão de serem finalizadas em 2012 e de custarem cerca de R$ 4,5 bilhões. Hoje, com cinco anos de atraso e um orçamento mais de duas vezes maior (R$ 9,6 bilhões), ainda não estão 100% concluídas. A meta é levar água para 12 milhões de pessoas em Pernambuco, Ceará e Paraíba, mas, por enquanto, só 770 mil foram beneficiados. Em março, o presidente Michel Temer inaugurou a primeira transmissão das águas em Sertânia (PE) e Monteiro (PB). Já em abril, deu início em Campina Grande (PB) e outras 17 cidades. Agora, com as previsões de seca recorde para este ano, as preocupações sobre a capacidade do Velho Chico de sustentar mais essa demanda estão ainda maiores.
O governo já anuncia medidas para regular a vazão do rio e, de acordo com especialistas, por trás do compromisso de garantir o abastecimento, também se esconde um esforço para assegurar que, apesar da escassez hídrica, haja água para garantir o projeto da transposição. Nessa semana, a Agência Nacional de Águas (ANA) anunciou redução da vazão da usina hidrelétrica de Sobradinho (BA) de 700 m³/s para 600 m³/s, com o objetivo de poupar água do reservatório.
Na avaliação do engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) João Suassuna, o São Francisco está no limite e não tem a mínima condição de atender mais uma demanda de água.
“Quando a ANA toma a atitude de reduzir a vazão de Sobradinho, já está pensando em novembro, quando a represa deve atingir seu volume morto. Então ela quer fazer reservas, senão não tem de onde tirar água para a transposição. O rio tem usos múltiplos (abastecimento humano, irrigação, projetos industriais), e me espanta, neste momento, querer colocar mais um usuário”, afirma.
O pesquisador destaca que a transposição foi uma escolha equivocada e cita um projeto elaborado após uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Em 2004, os hidrologistas já enxergaram deficiências e elaboraram outra proposta, considerando buscar águas já existentes. Só de reservatórios, são 70 mil no Nordeste. Em 2006, a ANA, com base nessa ideia, lançou o Atlas do Nordeste, um projeto que, em vez dos 12 milhões de pessoas que a transposição abrange, conseguiria atender 34 milhões de pessoas. Sem falar que custava R$ 3,3 bilhões, metade dos R$ 6,6 bilhões estimados para a obra da transposição até 2010. Mas, no PAC, o governo preferiu escolher o projeto mais caro”, afirma.
O projeto foi dividido em 14 lotes, e a maior parte ficou com os consórcios das construtoras. Alguns trechos ficaram sob responsabilidade do Exército e tiveram uma execução mais rápida.
Viabilidade. Por meio de nota, o Ministério da Integração, responsável pelo projeto, afirma que estudos de impacto ambiental, de inserção regional, de viabilidade técnica e econômica e pesquisas hidrológicas constataram que a integração das águas do rio São Francisco era a alternativa estrutural mais consistente para o fornecimento garantido e adequado à região.
“Anteriormente, foram analisadas outras hipóteses, como uso de águas subterrâneas, dessalinização de águas, reaproveitamento de águas utilizadas, uso de cisternas para a captação de água da chuva, integração com outras bacias hidrográficas e implantação de novos açudes (açudagem). Mas nenhuma das alternativas estudadas apresentou melhores resultados do que o projeto São Francisco”, diz a nota.
Três Marias pode sofrer impactos
A superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, afirma que a transposição do rio São Francisco pode trazer efeitos econômicos, sociais e ambientais para Minas Gerais caso a vazão da represa da usina de Três Marias seja reduzida para regular outros reservatórios, como o de Sobradinho, por exemplo. “O comprometimento imposto a Minas Gerais, sem avaliação responsável da bacia do São Francisco, pode gerar frutos mais amargos do que qualquer um poderia pensar. Com menos vazão e menos água, há interferência na fauna, sem falar que afeta a diluição dos poluentes, que ainda são jogados”, diz.
Maria Dalce lamenta que a revitalização não tenha acontecido. “Foi tão falada como moeda de troca para a transposição, mas nunca aconteceu, e os fatores de degradação continuam a todo vapor, como desmatamento, incêndios e mau uso da água”.
Fonte: Jornal O Tempo