Para José Carlos Carvalho, que participou da reunião entre todos os ex-ocupantes da pasta de Meio Ambiente no início de maio, a sociedade também deve se posicionar em relação ao tema
No início de maio, uma iniciativa inédita marcou o cenário político brasileiro. No dia 8, todos os ex-ministros que já ocuparam a pasta do Meio Ambiente (com exceção de Gustavo Krause, que não pôde comparecer por questões de saúde) se reuniram para firmar um posicionamento contra as políticas de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável promovidas pelo atual governo. O resultado deste encontro, realizado na USP, em São Paulo, foi a publicação de uma carta aberta que critica o desmonte da governança socioambiental brasileira.
De acordo com o documento, “estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente, entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes”.
O engenheiro florestal José Carlos Carvalho, ministro no governo Fernando Henrique Cardoso e secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais na gestão de Eduardo Azeredo, foi um dos presentes na reunião. De acordo com ele, as políticas do atual governo partem de “uma premissa absolutamente equivocada, intelectualmente pobre e já superada há muito tempo, de colocar conservação ambiental e desenvolvimento econômico como objetivos antagônicos”. Lembrou também que o modelo institucional da gestão ambiental no Brasil surgiu ainda na ditadura militar, contrariando o discurso atual de que a proteção do meio ambiente é uma agenda ideológica de esquerda.
Passados alguns dias, ele credita à reunião uma importância ainda maior para a construção de um diálogo que ajude a manter as conquistas registradas anteriormente e capaz de apontar soluções para as melhorias que precisam ser feitas a fim de preservar o patrimônio ambiental brasileiro. “Não é trivial reunir todos os ex-ministros de uma área governamental, com diferentes posições políticas e ideológicas, diante da necessidade de criar um manifesto sobre os rumos da política ambiental do atual governo, cuja legitimidade eu reconheço. Nós não defendemos o status quo, porque acredito que tudo pode ser melhorado, mas a administração pública é um processo cumulativo, que experiências vão sendo somadas para um bem maior”, defende.
Neste sentido, a carta redigida pelos ex-ministros afirma que “os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós. É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.”
O atual ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles demonstrou opiniões controversas a respeito dos efeitos das mudanças climáticas. Após as polêmicas sobre a saída do Brasil do Acordo de Paris, enfrentou críticas por abrir mão de realizar a Convenção das Organizações Unidas (ONU), em agosto, na Bahia. Ao explicar a decisão, o ministro Ricardo afirmou que “não fazia sentido” o Brasil sediar um encontro para preparar a COP 25, uma vez que a conferência não iria mais acontecer no País. Salles chegou a dizer que manter o encontro em Salvador seria uma “oportunidade” apenas para a “turma fazer turismo em Salvador” e “comer acarajé”. A decisão foi revertida recentemente.
“O cancelamento da COP 25, que aconteceria no Brasil, causou um enorme mal-estar no âmbito das Nações Unidas. Todas estas situações demonstram um total desinteresse do país com os compromissos já assumidos na área ambiental. Vale lembrar, inclusive, que o Brasil não é apenas signatário da Convenção de Clima, como foi palco para sua assinatura há 27 anos, durante a Rio-92. Esta sequência de fatos é muito prejudicial para nossa imagem no exterior, criando dificuldades para as nossas relações comerciais”, pontua José Carlos Carvalho.
O trabalho dos ex-ministros em defesa do Meio Ambiente segue. Para Carvalho, a expectativa é que este documento se torne a base para a construção de uma plataforma de mobilização da sociedade, para que ela também possa cobrar uma ação governamental mais coerente com a Constituição. “Isto porque o governo está fazendo uma afronta aos princípios constitucionais do Meio Ambiente. Neste sentido, acredito que os servidores da administração ambiental, em todas as esferas, têm um papel muito importante, porque não é possível operar a política ambiental sem a contribuição de cada um deles para evitar retrocessos em relação a tudo aquilo que foi construído nos últimos 30 anos em termos ambientais”, afirma.
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