Teve até “risadaço” na Conferência do Clima (COP24) que está para ser encerrada, talvez entrando madrugada adentro desta sexta-feira (14), na Polônia. Manifestantes invadiram uma sala onde norte-americanos estavam querendo vender a ideia de “carvão limpo” e começaram a rir alto, o que aconteceu durante uns dez minutos. O evento foi inédito… nunca antes na história de uma cúpula do clima convocada pelas Nações Unidas houve risadaço da plateia. E foi um dos eventos mais concorridos da COP, segundo a reportagem do Observatório do Clima (OC). Mais um capítulo da série… seria cômico, se não fosse tão sério.
Para ter mais notícias de bastidores da Conferência, conversei pelo telefone, hoje de manhã, com o biólogo e ambientalista Carlos Rittl, secretário-executivo do OC, que está em Katowice, onde acontece a COP. Ele vem atuando desde o início da reunião, que começou no dia 3 de dezembro, como um dos observadores multilaterais.
Rittl acha pouco provável que a reunião termine nesta sexta, como era de se esperar, porque o rascunho que vai virar texto oficial só foi terminado às três da manhã. E conversou comigo justamente no momento em que os negociadores, já cansados depois de 14 dias se debruçando sobre o tema, e sob um frio intenso, voltavam às salas para consolidar o texto final, definitivo, que será divulgado ao mundo.
Segue a entrevista:
Tem alguma expectativa de que os líderes das nações cheguem ainda à Polônia? Trump é esperado?
Carlos Rittl: De jeito nenhum. Trump não dá a mínima para o que está acontecendo aqui, embora os negociadores norte-americanos não estejam fazendo nada para embarreirar as negociações: eles, simplesmentes, não estão dando muita importância. Agora, no final, talvez o presidente da Polônia, Andrzej Duda, possa vir, além de um ou outro chefe de estado. Mas, desde a COP15, que aconteceu em Copenhague em 2009, aprendeu-se que não dá certo este negócio de esperar que chefes de estado resolvam um texto de 200 páginas num dia. O próprio ex-presidente Lula falou isso lá em Copenhague. Assim, os ministros são o segmento de mais alto nível aqui, e vêm com o mandato de seus governos para fechar qualquer decisão.
Quais são as expectativas no fim desta Conferência?
Carlos Rittl: O fato de termos o rascunho de um texto é importante porque, no período das negociações, corremos o risco de ter decisões separadas, o que poderia fazer com que perdêssemos a coerência. Estávamos esperando até que o rascunho saísse mais cedo. Isto não significa que está tudo resolvido, porque ainda tem, por exemplo, questões a serem resolvidas com relação à própria referência ao relatório do IPCC.
Carlos Rittl: Ainda está sendo discutido se o relatório feito pelos cientistas do IPCC a pedido da própria Conferência vai entrar como um norteador do texto ou se será apenas mencionado como uma contribuição bem vinda. Os cientistas avisam que é preciso fazer mudanças profundas para manter o aquecimento a 1,5ºC.
O Diálogo Talanoa também está sendo muito mencionado. Você pode explicar melhor o que é isso?
Carlos Rittl: É um esforço, iniciado na Conferência do ano passado, com o engajamento de diferentes atores da sociedade para discutir níveis de ambição dos países com relação às metas de reduções de emissões, diferentes daquelas propostas. No Brasil, por exemplo, tivemos seis rodas de conversas, onde são postas experiências, soluções locais, como a Rede de Sementes do Xingu, a recuperação da floresta da Bacia do Xingu, o trabalho das mulheres, das comunidades locais, feitos para assegurar a restauração da floresta.
Estou entendendo que é uma forma de a sociedade civil se engajar, independentemente da atuação governamental, é isso?
Carlos Rittl: Sim. Uma parte independe do governo, mas tem também desenvolvimentos tecnológicos onde até os governos se engajam — teve o rodízio de carros em São Paulo, que começou na época em que o Fabio Feldman era secretário. Todas essas histórias chegaram aqui à Polônia e estão sendo debatidas, estimulando os governos a fazerem mais. É este o Diálogo de Talanoa, uma espécie de processo de revisão de metas, de cinco em cinco anos, para que os países olhem para o que já foi feito. É um Diálogo que estimula, mas não obriga a definição de novas regras. Esperamos que o texto da COP24 faça uma referência a todas essas mensagens do Diálogo de Talanoa para que, nos próximos anos, haja um espaço para que os países discutam o aumento de suas ambições. Agora, se vai haver esta referência nós não temos segurança porque tem ainda muitos colchetes a serem definidos no rascunho do texto. São 140 páginas.
Carlos Rittl: Bem, isso não entra nas mesas de negociações, é claro. Mas foi o assunto mais comentado nos corredores, nos almoços, nos cafés, quer seja pelos diplomatas de outros países, quer seja por nós, brasileiros. Está todo mundo assustado. Não que signifique o fim do mundo, ou das negociações. Mas acontece que uma das poucas agendas onde o Brasil era protagonista internacional era, justamente, a de clima. E o que está sendo discutido aqui não é para salvar o planeta, porque isso a gente sabe que não é o caso. O planeta está se consertando, de forma mais natural possível, dos estragos que estamos fazendo nele.
Trata-se, muito mais, de uma agenda de negócios, econômica. O Brasil já tinha provado conseguir o crescimento econômico enquanto diminuía o desmatamento. Vai abrir mão disso por um desenvolvimento de séculos atrás, em que é preciso dominar o meio ambiente e tirá-lo do caminho das atividades econômicas? É muito estranho, preocupante. Mas recebemos mensagens muito solidárias.
O Acordo de Paris, mesmo com a saída de Trump e com a ameaça de saída do Brasil, está consolidado?
Carlos Rittl: Sim, claro. É um acordo de longo prazo, 186 países já o ratificaram. Muitos atores do setor privado estiveram aqui e mostraram quantas oportunidades o Acordo traz para a economia e para seus negócios. Várias empresas brasileiras, quanto reduziram de gases do efeito estufa ao implementarem tecnologia para se tornarem mais eficientes energeticamente. É uma agenda que não pode e nem vai depender de um ou dois chefes de estado.
O Livro de Regras que está sendo escrito é como uma Constituição, define os perigos do aquecimento e norteia para o que nos traz menos danos, é um respeito à ciência. O Brasil é um país que sofre com secas, tempestades, tornados, tem um enorme risco nas áreas costeiras, não dá para tratar este tema com irresponsabilidade.
Mas parece que este será o tom do próximo governo…
Carlos Rittl: Mas vale a pena citar o ministro da Ciência e Tecnologia escolhido, o Marcos Pontes. Ele disse, numa entrevista, que a ciência está dando uma importante contribuição para os brasileiros, e que ele levaria esta mensagem ao futuro presidente. Está na hora de Bolsonaro começar a ouvir quem, realmente, entende do assunto para saber que esta é uma agenda estratégica e urgente. Já passamos, há muito tempo, da fase de discutir se cigarro causa câncer.
FONTE: G1
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