Pesquisa da Universidade de Viçosa indica que com alterações no clima, dificilmente será possível continuar expandindo o cultivo de duas culturas em um mesmo período
A tecnologia agrícola responsável pela mudança do conceito de que a natureza dita a hora certa para plantar e colher precisa se antecipar às consequências do indicativo de que as mudanças climáticas deterão a expansão das duplas safras nos próximos 20 ou 30 anos, principalmente no cerrado e na região das mais recentes fronteiras agrícolas do país, os estados do Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida como Matopiba.
Pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) prevê um fator limitante para o progresso do agronegócio no Brasil: a dependência das chuvas, que, com as mudanças climáticas, começam cada vez mais tarde e acabam mais cedo, aumentando a dependência da irrigação.
Mapear as contribuições das tecnologias na evolução do agronegócio da soja no Brasil é um dos pontos da pesquisa realizada no grupo de pesquisa em interação atmosfera/biosfera do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV.
“Desenvolvemos estimativas históricas de calendários de plantios de soja para safras únicas e duplas desde 1974, combinando os dois fatores mais limitantes para o plantio, a estação chuvosa e o comprimento do dia”, afirma o autor da dissertação no mestrado sobre a pesquisa, Gabriel Medeiros Abrahão, engenheiro agrícola e doutorando em meteorologia aplicada.
Ele explica que foram aplicados os mesmos métodos às estimativas futuras do clima para investigar uma possível contração na área com potencial de cultivo duplo com as mudanças na estação chuvosa.
Para ele, os dados mostram que, se forem usadas as atuais variedades de soja, as mudanças climáticas ameaçam reduzir 17% da área onde é possível plantar duas safras no Brasil central e 60% na região do Matopiba.
A pesquisa avalia ainda que prováveis novas variedades de soja e milho de ciclo mais curto poderiam reduzir o impacto da diminuição das chuvas para 4% no Mato Grosso e para 7% nas demais regiões do Centro-Oeste, mas não seriam eficientes no Matopiba, que perderia, pelo menos, 30% do potencial de dupla safra.
“A irrigação terá um papel importante na compensação destes impactos, mas as limitações de infraestrutura e de recursos hídricos tornam essa solução improvável para a região toda. As perspectivas para a ampliação da dupla safra no Matopiba não são otimistas nos prováveis cenários das mudanças climáticas”, disse Gabriel
Para o orientador do trabalho, Marcos Heli Costa, o conjunto de dados resultantes fornece informações espaciais e temporais inéditas sobre o cultivo de soja no Brasil. A redução da duração das chuvas já é uma realidade observável nas regiões estudadas e será maior se houver ainda mais desmatamento na Amazônia.
“Se em 20 ou 30 anos a dupla safra for inviável em determinada região, é possível que produtores, que atualmente já ocupam a fronteira agrícola, migrem ainda mais para o Norte, onde a estação chuvosa é mais longa. Isso significa avançar sobre a floresta amazônica e até mesmo sobre áreas remanescentes do cerrado. E nós já sabemos que o desmatamento agrava ainda mais a escassez de chuvas em outras regiões. É um ciclo indesejável”.
Alerta antecipado
De acordo os pesquisadores da UFV, os resultados da pesquisa, que originou a dissertação de mestrado de Gabriel Abrahão, extrapolam as tendências já conhecidas das mudanças do clima.
“Estamos antecipando um problema para não ser pegos de surpresa como aconteceu na década de 1980, quando o país custou a perceber a evolução do desmatamento na Amazônia”, afirma Marcos Heil Costa. Gabriel Abrahão espera que os resultados do trabalho colaborem para o monitoramento da dupla safra em agricultura de sequeiro (não irrigadas) e tenha consequências para a conservação do meio ambiente no Brasil.
A grande preocupação de pesquisadores em todo o país é a possibilidade de quebra do ciclo de pesquisas, fator gerado pelo anúncio do governo federal do corte em investimentos em pesquisas estratégicas, com redução de valores e pessoal.
“Os ganhos de produtividade, que hoje fazem do Brasil referência em todo o mundo, foram devidos a tecnologias desenvolvidas por nossos pesquisadores. As consequências do sucateamento nessa área são irreparáveis e afetam pontos estratégicos para qualquer país, reconhece Abraão.
Se em 20 ou 30 anos a dupla safra for inviável em determinada região, é possível que produtores, que atualmente já ocupam a fronteira agrícola, migrem ainda mais para o Norte, onde a estação chuvosa é mais longa. Isso significa avançar sobre a floresta amazônica”
>> Marcos Heli Costa – coordenador do grupo de pesquisa sobre atmosfera/biosfera
Técnica usada para a soja e o milho no país
A dupla safra, do milho e soja, predominante no Brasil (sistema de plantio de duas culturas no mesmo espaço e mesmo ano, conhecida como safrinha) é uma prática que começou a se tornar expressiva no fim dos anos 1980, mas dados sobre resultados somente começaram a ser reunidos a partir do ano 2000. Com exceção do Sul, onde as estações chuvosas são mais definidas, o Brasil tem nas demais regiões precipitações sazonais, o que proporciona a utilização de períodos chuvosos para o plantio de duas culturas alternando a soja com o milho ou algodão, por exemplo.
Essa possibilidade tem resultados importantes para o agricultor, uma vez que se uma cultura não vingar em determinado ano ele pode aproveitar a outra. Há uma questão fitossanitária, por quebrar o ciclo de pragas. O ovo colocado por uma larva, ao se desenvolver, vai encontrar um outro plantio e acaba morrendo sem se desenvolver por falta de alimento.
Os esforços de pesquisa liderados pela Embrapa e universidades nos anos 1960 e 1970 desenvolveram uma soja cada vez menos necessitada da expansão do dia, fenômeno presente no Sul do país, e a fronteira do grão foi avançando em direção ao Norte do Brasil.
Com a quebra da dependência da duração do dia (o “fotoperíodo”), ela pode ser plantada mais cedo e assim aproveitar mais a estação chuvosa, sobrando tempo de plantar outra cultura. A seleção genética do milho também permitiu o encurtamento do tempo entre o plantio e a colheita, que era de 160 dias e hoje pode ser colhido após 100 ou 110 dias depois de plantado.
FONTE: Estados de Minas
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