Autos de infração depois derrubados são alvo; agentes falam em intimidação e fragilização da fiscalização
O Ministério do Meio Ambiente quer criar regras que permitam punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes pela pasta. O plano é responsabilizar os servidores que tenham autos de infração revertidos em outras instâncias.
O ministro, Ricardo Salles, encomendou um levantamento das multas aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nos últimos cinco anos para identificar esses casos.
A apuração sobre o trabalho dos auditores faz parte de um plano do novo ministério para alterar procedimentos de fiscalização de casos de desmatamento, extração ilegal de madeira e outras infrações.
O presidente Jair Bolsonaro é um crítico da atuação dos órgãos de fiscalização ambiental. Ele já disse que vê excessos de servidores do Ibama para punir esses crimes. Grupos políticos, produtores rurais e o próprio Bolsonaro batizaram a ação dos fiscais de “indústria da multa”.
O presidente foi beneficiado por decisão administrativa do Ibama que anulou uma multa ambiental de R$ 10 mil por pesca irregular no litoral do Rio de Janeiro em 2012.
A anulação ocorreu após parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre o caso. O órgão entendeu, seis anos depois de a multa ser aplicada, que Bolsonaro não teve direito à ampla defesa nem teve resguardada a garantia de contraditório. A multa se encontra temporariamente suspensa e poderá ser rediscutida.
Em 2012, o então deputado Jair Bolsonaro foi fotografado por fiscais em um bote, com uma vara de pescar, dentro de uma estação ecológica, em Angra dos Reis, no litoral fluminense.
Para a equipe do ministério, o caso ilustra os processos que são derrubados por decisões de instâncias superiores ou da Justiça devido a falhas de autuação.
O ministério pretende analisar as estatísticas dos autos de infração para identificar servidores cujas multas foram revertidas após a apresentação de recursos administrativos ou judiciais. Para a equipe da pasta, esse seria um indicador de que a punição aplicada pelo fiscal não seguiu critérios rigorosos ou que foi aplicada indiscriminadamente.
A partir do levantamento, o ministério cobrará explicações do servidor e, caso seja constatada má-fé, ele poderá ser penalizado por medidas de controle internas. Um dos mecanismos em estudo seria cobrar do fiscal os prejuízos causados à pasta pelos custos das ações judiciais decorrentes desses processos.
Servidores do Ibama alegam que a ideia coloca em risco a aplicação da própria legislação ambiental.
Integrantes do ministério rebatem com o argumento de que só haverá punição para casos considerados abusivos.
O Ibama já realiza um controle interno em sua corregedoria. O órgão analisa e investiga denúncias de irregularidades cometidas por seus servidores e casos de corrupção.
Em declarações recentes, Salles afirmou que pretende ser rigoroso com crimes ambientais como o desmatamento e que haverá repressão dura aos infratores. Mas o ministro também disse acreditar que há um descontrole na fiscalização.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, dos 77 mil autos de infração emitidos desde 2014, menos de 1% foi efetivamente pago. Os demais aguardam manifestação da defesa ou julgamento de recurso.
O ministro afirmou em entrevista à Folha na última semana que os números refletem um serviço de fiscalização inadequado. “Seu trabalho está sendo jogado no lixo. Ou você está trabalhando mal, ou a questão está mal endereçada”, declarou.
Salles também disse que “excessos de fiscalizações e injustiças cometidas fizeram com que populações de várias áreas tenham uma postura antagônica com o órgão ambiental”.
Outras medidas devem integrar o plano de mudanças nos procedimentos de fiscalização do Ibama. O primeiro passo deve ser a informatização dos autos de infração dos últimos anos.
O Ministério do Meio Ambiente também pretende acelerar o agendamento de audiências dos infratores no Ibama para que eles possam apresentar suas defesas e negociar condições para o pagamento da multa.