Enquanto órgãos diversos do poder público não se entendem sobre regularidade de projeto, ação de mineradora vai a todo vapor abrindo terreno aos pés do maciço que deu nome a BH
Área da Pau Branco abaixo do Pico Belo Horizonte: à esquerda, o resultado das “ações de recuperação do meio ambiente”. As duas fotos da direita comparam as áreas vizinhas aos parques da Mangabeiras e Baleia, em 1996 e neste ano
Bem longe dos olhos da maioria dos belo horizontinos, uma imensa área de mineração se estende aos pés da Serra do Curral, maciço tombado cujos contornos deram nome à capital mineira. Seupico mais alto, simbolicamente chamado Belo Horizonte, sobre o qual se avistam antenas de emissoras de rádio e TV, seria uma das formações ameaçadas pela atividade, ironicamente iniciada sob pretexto de “recuperação ambiental” da área. A exploração de recursos minerais na região divide opiniões e é cercada de informações restritas: enquanto a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, responsável por zelar pela preservação de recursos naturais em Minas, defende a lisura da atuação da mineradora, contrariando parecer de um de seus próprios órgãos técnicos, o Ministério Público sustenta que há descumprimento de decisão judicial na região, mas não explica qual é a inconformidade. A Prefeitura de BH reforça a tese de irregularidades, mas também pouco esclarece sobre elas. E o órgão de patrimônio federal tenta, há quatro anos, definir se, enfim, há ou não agressão a área tombada. Enquanto isso, os trabalhos da companhia seguem a todo vapor.
‘FACHADA’ O parlamentar e moradores que vivem no entorno do empreendimento denunciam que, na verdade, a empresa usou como fachada uma recuperação ambiental solicitada pelo Ministério Público para continuar minerando na região, sem controle e sem licenças necessárias para a atividade. Em razão dos passivos ambientais resultantes da mineração até 1991 na Granja Corumi (Mina do Taquaril), a empresa assumiu o compromisso, em 2003, de promover a recuperação ambiental a partir de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad) exigido pelo MP, conforme aprovação do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) de Belo Horizonte. Em 2015, a empresa foi chamada a promover a regularização ambiental junto ao estado, conforme solicitação do MP. O problema é que no âmbito do que seria a recuperação com “retaludamento das superfícies degradadas, implantação do sistema de drenagem e revegetação”, ficou constatado que a empresa estava minerando em outro ponto, o que foi verificado pela própria Semad, motivando uma “reorientação” do processo de licenciamento.
IEF não foi ouvido em licenciamento
Uma fonte ligada ao Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que pede anonimato, sustenta que quando ocorreram tanto o licenciamento da mineração da Empabra na Serra do Curral em nível municipal quanto a assinatura do termo de ajuste de conduta com a Semad, o IEF deveria ter sido consultado sobre impactos ambientais da atividade sobre o Parque da Baleia, conforme resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). “Se isso tivesse ocorrido, o órgão teria se manifestado contrariamente à atividade”, afirma a fonte. Já a Semad sustenta que na época do licenciamento no município de Belo Horizonte, em 2008, o empreendimento obteve as concordâncias do Iphan e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). A pasta informou que já solicitou atualização dessas anuências.O Iphan informou que há um processo de licenciamento sobre a mineração em andamento desde de 2014, considerado “prioridade”. Mas, “como há um novo técnico analisando, ele está lendo todo o processo para melhor conhecê-lo”, justifica o órgão. De acordo com a Fundação Municipal de Cultura (FMC), o plano de recuperação da área degradada foi aprovado pelo conselho que cuida do patrimônio da cidade, e em novembro do ano passado o MP solicitou que o órgão se manifestasse mais uma vez. Na ocasião, ficaram definidos prazos e medidas a serem tomadas para proteger o Muro de Pedras, ocorrência arqueológica situada na Serra do Curral. “Caso o plano de recuperação não contemple a preservação do Muro de Pedras, a empresa deverá assinar termo de ajustamento de conduta, sem prejuízo da adoção de medidas compensatórias e mitigatórias pelos danos já causados pela operação da mina”, diz a pasta. Ainda este mês a FMC informa que visitará o local.
Já o Iepha informou que a licença prévia passou por análise que constatou que o empreendimento não se encontra em área de proteção estadual. “Por não ter diretrizes de proteção para a área, o Iepha acompanhou a manifestação do Iphan e dos municípios diretamente impactados, expressas nas respectivas manifestações/anuências e pareceres emitidos pelos mesmos quanto à avaliação do empreendimento em relação aos seus bens culturais protegidos”, diz o órgão, em nota. Para a próxima fase de licenciamento, o Iepha solicitou à mineradora que apresente cronograma que concilie as atividades com medidas de recuperação do meio ambiente, de forma a minimizar os impactos sobre a paisagem natural.
O gerente de Relacionamento Institucional e Comunicação da Empabra, Fernando Cláudio, nega haver qualquer irregularidade na operação da empresa. Segundo ele, nos pontos limítrofes entre a área de 66 hectares de atuação da empresa, o Parque da Baleia e a Serra do Curral, o que está ocorrendo são ações de recuperação do meio ambiente. Só há mineração em 12 hectares que não incluem área tombada nem unidade de conservação, segundo a empresa. “O Plano de Recuperação de Área Degradada liberado pelo município de Belo Horizonte permite a atividade de lavra e, a partir de 2015, passa a ser autorizado pela Semad. Foi exigido pelo Ministério Público, em Ação Civil Pública, que todos os proprietários da área minerada entre as décadas de 50 e 90 fizessem a recuperação dos terrenos, mas apenas a Empabra assinou e se comprometeu a recuperar toda a área”, afirma.
Ele acrescenta que a degradação promovida no ponto da Serra do Curral abaixo do Pico Belo Horizonte foi promovida por outras empresas antes da década de 1990, quando a mineração ainda era autorizada, em período anterior ao tombamento da serra. “Naquele ponto ainda vai haver a recuperação. Vai ser finalizado um plano de recuperação, porque esse plano não consiste somente no replantio da vegetação. É preciso fazer obras de reconformação de talude, até pela questão da drenagem local crítica”, completa. A empresa estima que a recuperação de todo o trecho leve 10 anos.
Fonte: Estado de Minas