Um mês após desastre em Brumadinho, lama continua ingressando no leito e avançando no Rio Paraopeba rumo ao São Francisco, sem nenhuma providência capaz de contê-la
Os mineiros choram seus 179 mortos e 131 desaparecidos durante o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte – tragédia que completou um mês ontem –, e lamentam mais um pesadelo: o ambiental, ainda longe do fim. E o pior: o horror continua sendo carregado rumo a outros municípios pelas águas do Rio Paraopeba, afluente do São Francisco, que corta Minas rumo a estados do Nordeste. O tempo passa, a mancha avança e sobram informações desencontradas, enquanto falta quem venha vem a público para informar, com clareza, sobre impactos da pluma ou onda de rejeitos de minérios despejada da estrutura da Vale – e muito menos sobre medidas capazes de contê-la. Passados 30 dias, para ambientalistas e biólogos já passou do tempo da adoção de providências para amenizar o rastro de destruição, que já afeta 16 cidades e uma população estimada em quase 850 mil pessoas.
Professor aposentado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais e atualmente docente do Departamento de Geociências da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Ricardo Motta Pinto Coelho cobra maior transparência dos órgãos públicos e da mineradora em relação a providências para amenizar os prejuízos ambientais. “Não se pode tratar a população da forma como vem sendo tratada. Os órgãos públicos e a empreendedora não têm passado a quantidade de dados coletados. É importante que a empresa e o governo mudem esse paradigma. A população e o meio ambiente foram afetados e são vistos como clientes desse processo. Eles têm direito à informação, seja em relação à biodiversidade, aos animais ou à população atingida”, afirma. “A população tem o direito de ser informada sobre o que está acontecendo no Rio Paraopeba.”
Para o professor, caso a lama chegue ao reservatório de Três Marias, em Felixlândia, será impossível impedir que ela alcance o Rio São Francisco, pois a tendência é de que os rejeitos continuem descendo o rio, devendo afetar “tudo que está a jusante”. Assessores da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) informam que o Instituto Mineiro de Gestão das Águas faz o monitoramento da qualidade do recurso hídrico, enquanto a Vale é responsável por todas as medidas de emergência, a exemplo de contenção de rejeitos.
O diretor de Operações e Eventos Críticos do Igam, Heitor Soares Moreira, informa que a pluma está a 250 quilômetros do local do desastre, em Papagaios, e ainda não chegou à Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, entre Pompéu e Curvelo. Ele sustenta que hoje começam a trabalhar três técnicos abaixo da usina, para monitorar a qualidade da água, somando-se 20 encarregados desse serviço. Já foram identificados na água metais pesados, como cádmio, mercúrio e chumbo, de forma pontual, além dos mais frequentes, que são manganês, ferro e alumínio. Na avaliação do diretor, a pluma poderá chegar à Usina de Três Marias, em Felixlândia, mas ele considera possível que Retiro Baixo consiga amortecer o material carreado na calha do Paraopeba.
CONTENÇÃO Dona do empreendimento, a Vale anunciou a implantação de um plano de obras emergenciais para a contenção dos rejeitos. Já a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que faz análise sistemática da fauna, da flora e da água “para o estabelecimento de medidas de mitigação dos danos ambientais”. Enquanto isso, a lama de rejeitos continua avançando pelo Paraopeba e já passou por 15 municípios, além de Brumadinho.
Ontem técnicos do Igam notaram melhora na água, mas, como o material está sedimentado no Córrego Ferro Carvão, em Brumadinho, que ficou soterrado, é de se esperar, que nas próximas chuvas o material seja revolvido e entre novamente no Paraopeba, já que nenhuma medida de contenção dos sedimentos na origem foi determinada com prazo específico pelo poder público.
A Semad ressalta que “dada a magnitude do acontecimento, os impactos ambientais ainda estão ocorrendo”. Desta forma, informam técnicos, à medida que forem constatados novos impactos “será determinado que a empresa (a Vale) adote as medidas necessárias. Novos autos de fiscalização e infração podem ser lavrados”. A barragem rompida acumulava cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais.