Repasses seguem menores do que os previstos em lei também em 2020, aponta Portal da Transparência. Fiscais do Sisema denunciam falta de recursos e sucateamento do órgão.
Por Patrícia Fiúza e Thaís Pimentel, G1 Minas — Belo Horizonte
No ano em que a barragem de Brumadinho se rompeu, matando 270 pessoas, o governo de Minas Gerais repassou apenas 38% da verba prevista por lei para as ações de fiscalização. A informação está no relatório do Ministério Público de Contas e é um dos motivos para o órgão emitir parecer pela aprovação, com ressalvas, dos gastos do primeiro ano do governo Zema. O G1 também constatou que o repasse menor que o previsto segue acontecendo neste ano.
Segundo o relatório do MP de Contas, Minas Gerais arrecadou R$ 319 milhões com a Taxa de Fiscalização de Recursos Minerários (TRFM) em 2019. Pela lei 22.796/2017, o montante deveria ser aplicado no Sistema Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Sisema), responsável pelo controle e fiscalização de atividades como exploração madeireira, pesca e mineração.
A lei foi criada após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, que completa cinco anos em novembro. A maior tragédia ambiental do país matou 19 pessoas, devastou distritos e percorreu o Rio Doce até a foz, no Espírito Santo. O objetivo da lei era fortalecer os órgãos ambientais, especialmente no âmbito da fiscalização.
Do total arrecadado pela taxa no ano passado, os repasses ao Sisema, responsável pelo controle e fiscalização, deveriam alcançar pelo menos R$ 223,8 milhões, mas chegaram a apenas R$ 85,6 milhões. Outros R$ 96 milhões, ou cerca de 30%, foram destinados para pagamento de pessoal ativo e encargos da Secretaria de Estado da Fazenda, o que é autorizado pela Emenda à Constituição 23/2016.
O governo não justificou, no entanto, o que foi feito com o restante do valor. “Não foi apresentada justificativa para a destinação do valor de R$ 138 milhões”, afirmou o relatório do MP de Contas ao citar o montante.
A Secretaria de Fazenda disse ao G1 que os valores que não são utilizados dentro do exercício financeiro continuam legalmente atrelados ao Sisema e que não teriam sido repassados a nenhum outro órgão do governo (leia resposta na íntegra ao final da reportagem).
Repasses menores também em 2020
Os repasses irregulares da Taxa de Fiscalização de Recursos Minerários viraram assunto de audiência na Assembleia Legislativa em outubro do ano passado. O secretário de Estado de Fazenda (SEF), Gustavo de Oliveira Barbosa, confirmou que o estado não estava cumprindo a lei, mas disse que a situação se resolveria em 2020.
“A taxa de recursos minerários, o senhor mais uma vez acertou. Não está sendo feito. Não vem sendo feito há muito tempo. É muito aquém daquilo que é arrecadado. O estado tem tentado reverter isso. Infelizmente esse recurso entrou, entra para o fluxo do tesouro estadual, ou seja, não há uma ‘descontaminação’ do fluxo de caixa. A gente está tentando reverter”, disse ele na ocasião.
Entretanto, informações do Portal da Transparência do governo de Minas mostram que os repasses da taxa para as fiscalizações continuam menores do que deveriam. Até agora, foram arrecadados R$ 118,8 milhões. Destes, 41% foram desvinculados do Sisema através da EC 23/2016 (veja abaixo), ou seja, não foram repassados para ações de fiscalização.
Falta de recursos
Se o repasse previsto em lei estadual fosse cumprido, as condições de trabalho dos 80 fiscais do Sisema, responsáveis pelos 853 municípios do estado, poderiam ser melhores, segundo os próprios servidores. De acordo com o Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais (Sindsema), houve redução da frota de veículos, não há motoristas nas equipes de fiscalização e há até falta de cadeiras apropriadas para o trabalho nos escritórios.
“A falta de estrutura dificulta a atuação adequada contra as infrações ambientais, fazendo com que denúncias e requisições de órgãos de controle demorem a ser atendidas, tornando a recuperação mais custosa e demorada”, disse um dos diretores do Sindsema, Gabriel Mendoza.
Ainda segundo ele, há fiscais da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) com formação técnica em engenharia, ciências biológicas e veterinária que não estão em campo. O motivo é a redução no quadro de pessoal, fazendo com que estas pessoas se dediquem às demandas administrativas, que, segundo Mendoza, têm pouca efetividade de enfrentamento aos crimes ambientais.
O Sindsema também denuncia a falta de equipamentos de proteção individual, os EPI’s, principalmente em tempos de pandemia de Covid-19.
“Cabe citar a falta de equipamentos modernos e capacitação para sua utilização, que facilitariam a fiscalização e dariam mais precisão ao trabalho, como drones, sondas, medidores de vazão, mecanismo que permitam a coleta de amostras para análises laboratoriais, que permitiriam gerar comprovação ou descartar danos ambientais, bem como contrapor relatórios suspeitos fornecidos ao órgão”, falou Mendoza.
Ação no STF
Em 2012, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a inconstitucionalidade da Taxa de Fiscalização de Recursos Minerários (TFRM).
De acordo com a entidade, a taxa criada com objetivo de fortalecer os órgãos ambientais estaria operando de forma irregular, “seus termos não conseguem esconder que se trata de um imposto, nem que o maior objetivo é o de obter uma arrecadação livre de amarras e vínculos com qualquer atividade estatal ou partilha de recursos”, diz a ação.
Ainda segundo a CNI, o estado não poderia legislar sobre o tema, e sim a União.
o governo chegou a dizer que a “competência privativa da União para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos minerais não ‘impediria o exercício de competência administrativa pelos Estados e Municípios’”. A ação ainda segue tramitando no STF.
O que diz o governo
Leia a íntegra da resposta sobre os repasses menores que o previsto em lei:
“A Secretaria de Fazenda informa que ainda que os valores empenhados pelos órgãos e entidades do SISEMA estejam menores do que os valores efetivamente arrecadados e vinculados, os recursos não utilizados dentro do exercício financeiro em que são arrecadados permanecem legalmente atrelados a essas unidades, não tendo sido utilizados em nenhum outro órgão. Seguindo estritamente o que é determinado pela Lei 4.320/64, os recursos permanecem vinculados a essas entidades e serão utilizados em exercício futuros, mediante suplementação por superávit financeiro”.
Sobre as críticas do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, o G1 recebeu resposta às 10h24 desta quarta-feira (23), com a reportagem já publicada:
- Sobre a existência de apenas 80 fiscais no Sisema, o governo disse que é possível ampliar a capilaridade e atuação dos fiscais “através do convênio com a Policia Militar de Minas Gerais, com a atuação de um efetivo aproximado de 1.000 policiais militares distribuídos em 16 Companhias de Meio Ambiente da Polícia Militar no atendimento das denúncias, requisições e fiscalizações”.
- Sobre a falta de equipamentos modernos e capacitação para utilização, como drones, sondas, medidores de vazão, entre outros, o governo respondeu que o Sisema hoje “conta com um Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) que se constitui de equipamento de sensoriamento remoto utilizado para geração de ortofotos georreferenciadas de alta resolução e modelos de elevação do terreno”. E que algumas unidades regionais também já estão aparelhadas com o uso de drones. Além disso, o governo disse que o Sisema “continua investindo para ampliação do total de equipamentos que possam agregar ganhos a atividade fiscalizadora, conforme a disponibilidade financeira anual, parceiras com o MPMG, ALMG entre outros, bem como termos de cooperação técnica”. “Da mesma forma, o Sisema tem investido em ações de capacitação de seus agentes”, diz o governo.
- Sobre a falta de equipamentos de proteção individual, o governo diz que “o Sisema tem buscado através das parcerias e acordos de cooperação técnica amplificar a compra de EPIs, uniformes e outros equipamentos para utilização nas ações fiscalizatórias”.
- Sobre a falta de motoristas para os fiscais e dupla jornada deles, o governo disse: “Não se constitui em obrigação do Sisema o fornecimento de motorista para o corpo de fiscalização ambiental. (…) No que se refere a disponibilidade de frota, a Semad possui contrato de aluguel de frota que, no período da pandemia, devido a paralisação das atividades, foi suspenso, sendo as atividades fiscalizatórias sido realizadas entretanto, de forma continuada com a frota de veículos próprios do Sisema, que dispõe de veículos de passeio e 4×4 que permitiram a continuidade dos trabalhos, mesmo com a redução da frota disponível.”
- O governo também disse que a maior parte das demandas, 73% em média, nos primeiros 6 meses do ano, foram atendidas dentro do prazo normativo de 90 dias.