Homem saudável, lavrador com uma pequena associação para produção de leite. Cavalgava o dia todo pelo campo. À cidade grande, se ia quatro vezes ao ano era muito. “Agora, vou a Mariana de segunda a segunda correndo atrás dos meus direitos. Estou diabético, tenho problemas de pressão arterial e tomo dois antidepressivos por dia. Sem os remédios fico agressivo. Não consigo mais raciocinar bem nem exercer minha profissão da mesma forma”, diz o lavrador Marino D’Ângelo Júnior, de 49 anos. Ex-morador de Paracatu de Cima, distrito do município da Região Central de Minas também atingido pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, ele é um retrato da pesquisa sobre a saúde mental das famílias vítimas da tragédia: dois anos e meio depois, a lama não levou apenas vidas e sonhos. Deixou doentes e sem horizontes centenas de crianças, jovens, adultos e idosos.
A Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma) foi feita com o objetivo de avaliar a saúde das vítimas, com ênfase na saúde mental – especialmente transtornos, desordens ou sintomas que podem piorar com o estresse, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno por uso de substâncias e comportamento suicida. O diagnóstico faz parte de um estudo elaborado pelo Núcleo de Pesquisa e Vulnerabilidade em Saúde (Naves) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pedido da Cáritas Regional Minas Gerais. O material foi divulgado nesta sexta-feira, em Belo Horizonte.
O levantamento mostra que, nesse grupo, a prevalência de depressão é cinco vezes maior do que a descrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a população brasileira em 2015, ano da tragédia. Ou seja, enquanto 28,9% dos atingidos pelo desastre sofrem da doença, na população em geral esse percentual é de 5,8%. Já o transtorno de ansiedade generalizada foi diagnosticado em 32% dos entrevistados, apontando para uma prevalência três vezes maior que a existente na população brasileira.
Para elaborar o estudo, em novembro do ano passado, a equipe convidou a responder questionários todas as pessoas com idades entre 10 e 90 anos que foram diretamente expostas à lama despejada pela barragem de rejeitos. Essas pessoas moravam ou tinham propriedades em Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Borba, Campinas, Pedras e Ponte do Gama na época do desastre que matou 19 pessoas, entre moradores e funcionários da mineradora. Dos 479 indivíduos abordados, 225 adultos e 46 crianças e adolescentes até 17 anos aceitaram participar da pesquisa. O restante se recusou, alegou medo de assinar documentos ou tinha outra justificativa para não responder às perguntas.
Pouco mais da metade dos entrevistados (53,8%) relatou sentir dores de cabeça e destes, 52,9% descreveram piora nos últimos dois anos. Aproximadamente um terço da população (31,1%) mencionou sentir tonteiras, sendo que 62,9% relataram piora nos últimos dois anos e 37,1% disseram não ter tido alteração. A falta de ar esteve presente em 13,8% dos entrevistados, com piora ocorrendo em 61,3% nos últimos dois anos. Em 35,5% dos casos não houve alterações e 3,2% não responderam. Da amostra, 35,1% sentiram palpitações e 63,3% manifestaram piora nos últimos dois anos.
“Os números, em alguma medida, assustam pela gravidade, mas já eram totalmente esperados. Quem convive com os atingidos ouve queixas de fatiga, do estresse e da depressão”, afirma o coordenador operacional da assessoria técnica aos atingidos de Mariana da Cáritas, Gladston Figueiredo. O diagnóstico foi apresentado ontem aos moradores das comunidades tomadas pelos rejeitos e será usado para um diálogo com o serviço municipal de saúde. “Esperamos que esse estudo seja elemento fundamental na luta por políticas públicas acessíveis às pessoas, que essas questões sejam tratadas e discutidas no processo indenizatório na perspectiva do dano moral”, ressalta.
DROGAS Além da depressão e do transtorno de ansiedade generalizada, foram avaliados também o transtorno de estresse pós-traumático, o risco de suicídio e os transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína. “Encontramos uma prevalência aumentada de transtornos psiquiátricos relacionados ao estresse na população atingida quando comparados aos dados descritos na literatura”, registra o estudo. A dependência de álcool foi diagnosticada em 5,8% da população e a de tabaco em 20%, enquanto 0,9% foi considerado dependente de maconha e 0,4% dependente de cocaína ou crack. Já o risco de suicídio foi identificado em 16,4% dos entrevistados. Entre eles, estão pessoas que declararam desejo de morte, relataram ideias suicidas, afirmaram que planejaram se suicidar no último mês ou reconhecerem já ter tentado alguma vez colocar fim à própria vida.
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