Dissertação de mestrado de funcionário da Vale já alertava para problemas na alteração de sistema de aterro e que barragem exigiria atenção
Uma dissertação, concluída em 2010, no mestrado do engenheiro Washington Pirete da Silva, funcionário da Vale há 22 anos, sobre a Barragem 1 do Córrego do Feijão, conclui que a estação, a partir do quarto alteamento (são oito as barreiras de contenção), quando a empresa alterou o sistema de aterro compactado para uso dos próprios rejeitos, transformou-se em um empreendimento que exigiria cuidados e monitoramento de segurança. Também houve, segundo o estudo, um deslocamento do eixo para dentro da barragem, o que comprometeu o nível de liquefação (aumento e movimento da água dentro da massa de rejeitos) e, portanto, a pressão interna nas paredes da barragem. Por fim, ele deixa sugestões de medidas corretivas e de classificação de segurança da liquefação, aparentemente, a causa do rompimento.
A dissertação intitulada “Estudo do potencial de liquefação estática de uma barragem de rejeito alteada para montante aplicando a metodologia de Olson (2001)” apresentado no mestrado profissional em engenharia geotécnica da Universidade Federal de Ouro Preto, em julho de 2010, teve como propósito estudar propostas de medidas corretivas que visem reduzir o potencial de liquefação estática em barragens de rejeitos construída pela técnica do aterro hidráulico.
De acordo com o estudo, na implantação do quarto alteamento, o eixo foi deslocado de 60 metros para montante em relação ao eixo anterior (correspondente ao terceiro alteamento). Essa decisão foi tomada no sentido de se garantir uma maior condição de segurança para a estrutura. “Embora satisfatória do ponto de vista geométrico por parte do projetista, o sistema de fluxo interno à barragem não se mostrou adequado, induzindo o aparecimento de diversas surgências ao longo do pé do dique do quarto alteamento e rápida elevação das leituras piezométricas (piezômetros são equipamentos usados para medir a pressão das barragens). Assim, em 2000, foi instalada uma trincheira ao longo da base do quarto alteamento, interligada a trincheiras transversais ao eixo da estrutura com a finalidade primária de se garantir o rebatimento da linha freática (Geoconsultoria 2006).”
O documento indicava que a Barragem I do Córrego do Feijão apresentava boas condições de segurança em relação à susceptibilidade a eventos de fluxo por liquefação e traçava diretrizes “essenciais para uma operação segura de uma barragem de rejeitos alteada para montante e garantem baixa susceptibilidade à liquefação para esses depósitos”.
Acionada a Assessoria de Comunicação da Vale, a empresa não se manifestou sobre a pesquisa de seu funcionário até o fechamento da edição e informou que Washington ainda trabalha na empresa, mas não falaria sobre sua tese de mestrado.
EXEMPLO A SEGUIR Em 1938, a ruptura de um talude de 500 metros e 6,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de uma barragem em Fort Peck, no estado de Montana, nos Estados Unidos, norteou minuciosos estudos para estabelecer exigências mínimas de compactação de areias fofas e praticamente acabou com o emprego de barragens hidráulicas naquele país, segundo o relatório “Acidentes de Barragens”, apresentado por Victor V. B. De Mello, durante o III Congresso Brasileiro de Mecânica de Solos, em 1966, em Belo Horizonte.
Na madrugada de 25 de março de 1989, o superpetroleiro Exxon Valdez, derramou sobre os mares do Alasca 36 mil toneladas de petróleo bruto, causando o maior desastre ecológico dos Estados Unidos. Uma supermancha se deslocou por 750 quilômetros e cobriu de piche 1.800 quilômetros de praias, em alguns pontos com uma camada de 90 centímetros. O desastre provocou uma mudança na indústria naval e os superpetroleiros passaram a ser construídos com cascos duplos.
A tragédia da Samarco em Mariana, na Região Central de Minas, em 5 de dezembro de 2015, deveria acender o sinal de alerta para se rever a indústria mineradora no país, entretanto, nem punições e nem mudanças de posturas ocorreram. Agora, uma nova catástrofe atingiu as terras e águas mineiras, com a ruptura da Barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH.
A gestão de riscos deve fazer parte do cotidiano de todas as empresas, pois é, por meio dessa prática, que uma organização pode se antecipar a possíveis falhas e planejar ações que evitem colapsos em sua produção e provoquem verdadeiras tragédias humanas e ambientais.
“Poderíamos nos inspirar em um programa criado nos anos de 1970 nos Estados Unidos, quando veio a público a contaminação do solo em inúmeras cidades, cujas áreas industriais foram desativadas. Criou-se um fundo federal com um cronograma para verificar e intervir nas áreas de contaminação mais problemáticas e um plano ambiental com projeções para 30 anos. É o mínimo que poderíamos esperar por aqui”, sugere Bruno Milanez professor do departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Diretrizes essenciais
» Redução dos espaçamentos entre os pontos de disposição, visando não formar camadas de finos com características de elevada compressibilidade e baixa resistência e drenabilidade;
» Utilização de barragem alteada para montante prioritariamente para contenção de rejeitos e não para contenção de rejeitos de água (reservatório de água mínimo necessário para recirculação)
» Manutenção de uma praia extensa de rejeitos, afastando o reservatório do maciço e, promovendo do deplecionamento da linha freática da estrutura e aumentando as tensões efetivas nas camadas suscetíveis
» Implantação da estrutura hidráulica que permita controlar o nível de água do reservatório em função da formação e extensão da praia de rejeitos
» Operação alternada dos pontos de disposição dos rejeitos ao longo da crista, devendo operar por trechos ao longo do maciço, sempre buscando uma formação de praia homogênea. A operação alternada em trechos oferece o adensamento e ressecamento dos rejeitos, com ganhos de resistência e melhoria da capacidade de suporte dos futuros diques.
Transição a discutir
Para Bruno Milanez, professor do departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o país criou um problema de difícil solução, mas vive um momento de transição que precisa ser discutido e que não pode se exaurir apenas na recuperação das áreas degradadas, no armazenamento de rejeitos, ou de contaminação do solo e do lençol freático. As barragens impõem risco agudo, que é o rompimento, e crônico, que é a contaminação da água. O professor aponta como exemplo a mina da Anglo Gold, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas, onde as comunidades a jusante começaram a registrar problemas de morte de animais que consumiam água vinda da barragem, ou na exploração de nióbio, pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) em Araxá, no Alto Paranaíba, que compromete as águas subterrâneas.
Milanez defende que as empresas planejem as etapas de exploração e destinação de rejeitos, desde a planta inicial de uma mina. Em um terreno em que serão exploradas duas cavas, a empresa pode planejar abrir uma de cada vez. Quando a primeira se esgotar, os rejeitos poderão ser utilizados na recuperação da cava, incluindo os da nova frente de extração, exemplifica. As mudanças “podem ser em etapas, atacando primeiro os pontos de maior vulnerabilidade”.
“O problema não é só da Vale, mas das tecnologias empregadas por diversas mineradoras, que são menos seguras. Depois desses dois desastres, ninguém se sente seguro.” Para Bruno Milanez, qualquer cenário que se trace de imediato subestima impactos e defende que as auditorias devam ser contratadas pelo poder público e não pelas mineradoras.
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