Ampla análise de estudos encontra probabilidade 41% maior de desenvolver linfomas não-Hodgkin em pessoas com alta exposição ao glifosato, produzido pela Monsanto
O agrotóxico mais usado do mundo, presente em 90% das plantações de soja e nos principais cultivos agrícolas, é também o mais polêmico. Desenvolvido e popularizado pela Monsanto, o glifosato é, há tempos, suspeito de causar câncer, além de estar relacionado ao extermínio das abelhas.
O cerco contra o produto, princípio ativo do RoundUp e de mais de cem outros produtos, e utilizado em grande escala desde a década de 70, apertou em 2015. Um relatório da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) classificou a substância como “provável carcinógeno humano” em 2015.
Os casos de câncer mais associados à exposição ao glifosato foram os linfomas não-Hodgkin e do sistema circulatório. O relatório concluiu ainda que a exposição ao glifosato causou danos ao DNA e cromossomos nas células humanas, bem como efeitos genotóxicos, hormonais e enzimáticos em mamíferos.
Desde então o produto passou a sofrer restrições em diversos países, além de milhares de processos judiciais. São mais de 9 mil ações contra a Monsanto e sua proprietária, a alemã Bayer, somente nos EUA.
Em agosto, o primeiro veredito sobre a questão foi unânime em favor do jardineiro Dewayne Johnson , que alega ter contraído câncer devido ao uso do Roundup e do RangerPro, um glifosato de segunda linha da Monsanto. A empresa recorreu, mas deve ter que voltar ao tribunal diversas vezes até 2020 nesse e outros milhares de casos.
A empresa se defende. Diz que não há pesquisas científicas legítimas que demonstrem uma associação definitiva entre o glifosato e qualquer tipo de câncer. Sua defesa se baseia principalmente no parecer da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA, que considera que “não é provável” que o glifosato cause a doença.
Esse argumento, porém, perdeu muito de sua força nos últimos dias. Uma ampla análise ciêntifica concluiu que pessoas com alta exposição ao pesticida têm um risco 41% maior de desenvolver câncer do tipo linfoma não-Hodgkin.
“Este trabalho faz um caso mais forte do que as metanálises anteriores que há evidências de um aumento do risco de linfoma não-Hodgkin devido à exposição ao glifosato”, disse a co-autora Lianne Sheppard, professora do Departamento de Ciências Ambientais e de Saúde Ocupacional da Universidade de Washington. “Do ponto de vista da saúde da população, existem algumas preocupações reais.”
Com um agravante para Bayer/Monsanto: três dos cinco autores do estudo são membros do conselho para um painel científico da EPA sobre o glifosato. Além disso, o artigo foi aceito, revisado e publicado pela revista Reviews in Mutation Research, cujo editor-chefe é o cientista da EPA, David DeMarini.
Assim, o parecer da EPA que dá suporte à empresa nos tribunais, deve ser revisto. “Foi errada”, disse Sheppard, sobre a avaliação realizada pela EPA sobre o glifosato.
Uma das conselheiras da EPA, disse que a agência não seguiu os protocolos científicos para poder afirmar que a substância não causa câncer. “Era óbvio que eles não seguiam suas próprias regras”, afirmou em entrevista ao The Guardian. “Existe evidência de que é cancerígeno? A resposta é sim.”
Segundo os autores, para chegarem à conclusão eles avaliaram todos os estudos existentes que avaliam o impacto do glifosato em humanos. “Olhando apenas para indivíduos com alta exposição ao pesticida no mundo real, é menos provável que os fatores de confusão possam distorcer os resultados”, escreveram os autores. Ou seja: “Se não houvesse uma conexão verdadeira entre o produto químico e o câncer, mesmo indivíduos altamente expostos não deveriam desenvolver câncer a taxas significativas.”
Além de olhar para os estudos em humanos, os pesquisadores também analisaram outros tipos de estudos sobre o glifosato, incluindo em animais. “Juntas, todas as metanálises realizadas até hoje, incluindo a nossa, relatam consistentemente a mesma descoberta importante: a exposição aos pesticidas com glifosato está associada a um risco aumentado de linfomas não-Hodgkin”, concluíram os cientistas.
Em uma declaração, a Bayer disse que o estudo “não fornece novos dados epidemiológicos; em vez disso, é uma manipulação estatística que está em desacordo com o extenso corpo de ciência, 40 anos de experiência no mundo real e as conclusões dos reguladores.”
Segundo a empresa, os pesquisadores “não fornecem evidências cientificamente válidas que contradigam as conclusões do extenso corpo de ciência demonstrando que os herbicidas à base de glifosato não são carcinogênicos”.