O alerta é de um grupo de pesquisadores brasileiros que avaliou o impacto do enfraquecimento de políticas ambientais no País; eles calculam um custo de pelo menos US$ 2 trilhões para País reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em outros setores
Se o desmatamento da Amazônia e do Cerrado seguir na tendência de alta observada nos últimos cinco anos, piorando a contribuição do Brasil ao aquecimento global, outros setores do País terão de compensar essas emissões de gás carbônico. E o custo para a economia pode ser de pelo menos US$ 2 trilhões.
A estimativa e o alerta estão em um artigo publicado nesta segunda-feira, 9, por um grupo de dez pesquisadores brasileiros na revista Nature Climate Change. O texto analisa o que os autores chamam de “ameaça das barganhas políticas para a mitigação climática do Brasil”.
Em outras palavras: os autores consideram que mudanças na política ambiental brasileira em troca de apoio da bancada ruralista ao governo – como sugestões de mudanças na lei do licenciamento ambiental, suspensão de ratificação de terras indígenas, redução de áreas protegidas e flexibilização da regularização fundiária – podem impactar a capacidade do País de conseguir cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
+++ Desmatamento no Cerrado recua, mas em 7 anos é 60% maior que perda da Amazônia
Eles se referem aos compromissos estabelecidos no âmbito do Acordo de Paris, de 2015, por meio do qual 196 países concordaram em agir para conter o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o final do século.
Procurado pela reportagem para comentar o artigo, o Ministério do Meio Ambiente disse, por meio de nota, que “as decisões tomadas pelo governo Temer foram decisivas para a queda desmatamento em todos os grandes biomas brasileiros, dobrar a área de proteção ambiental no país e fortalecer os mecanismos de combate ao desmatamento ilegal. Como resultado o Brasil foi o país que obteve a maior redução de emissões de gases de efeito estufa do planeta desde de 2004”.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também recebeu o trabalho tão logo ele entrou no ar, às 12h, mas a assessoria de imprensa da bancada informou que tem de submeter o estudo aos 250 deputados que compõem o grupo antes de fechar algum posicionamento.
Inversão da curva
A equipe de pesquisadores, liderada por Roberto Schaeffer, do programa de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), observou a trajetória do desmatamento nos últimos 20 anos para estimar como pode ser a evolução até 2030, levando em conta os movimentos políticos dos últimos anos e o fato de que o País se comprometeu a diminuir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% até aquele ano (com base em valores de 2005).
+++ Terras indígenas sem homologação são alvos de 40 projetos de infraestrutura
Como historicamente o desmatamento foi a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do País, é natural que o controle das emissões passe prioritariamente pelo combate à perda florestal. E esse parecia um objetivo fácil de alcançar. De 2005 a 2012, as taxas de desmatamento da Amazônia caíram 83%, chegando ao menor nível desde o início dos registros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1989.
De 2012 para cá, porém, apesar de ainda mais baixa do que os valores observados até 2008, a taxa voltou a apresentar uma tendência de alta, o que levanta dúvidas se o País será capaz de zerar o desmatamento ilegal até 2030, como foi proposto pelo governo.
Num exercício de estimar o que pode ocorrer daqui para frente, os pesquisadores dividiram as duas últimas décadas em três períodos: até 2005, em que havia uma pobre governança ambiental e altas taxas de desmatamento; de 2005 a 2012, quando o combate ao desmatamento foi intensificado; e até 2017, momento em que os pesquisadores avaliam que a governança ambiental “sofreu uma erosão gradual, com uma ampla anistia concedida a desmatadores ilegais do passado por meio da revisão do Código Florestal (de 2012)”, levando a uma reversão da curva.
“Desde a mudança do Código Florestal há uma sinalização por parte do governo pró-desmatamento. É um aspecto simbólico, mas quem desmata hoje têm certeza que o governo está do lado deles”, afirma o pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos autores do trabalho.
Ele cita como exemplo a medida provisória que facilitou a regularização fundiária, e foi apelidada de MP da grilagem, e os atrasos consecutivos no prazo de implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento criado pelo novo Código Florestal por meio do qual os proprietários de terra no País têm de dizer quanto suas terras têm de áreas preservadas ou não.
Outro fator lembrado é a redução do orçamento do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama entre 2015 e 2016, que afetou o combate ao desmatamento. Parte da verba foi recomposta a partir do ano passado com recurso do Fundo Amazônia.
“Na situação político-econômica que o Brasil está vivendo, é natural diminuir a preocupação com questões de longo prazo. E a questão climática é de longo prazo. A atenção da sociedade para desmatamento, emissões diminui mesmo”, comenta o cientista político Eduardo Viola, da Universidade de Brasília (UnB).
“Hoje a preocupação é com corrupção, desemprego, segurança pública, então não há pressão da sociedade por políticas de controle ao desmatamento. Desse modo, os desmatadores se veem num caminho mais fácil para operar”, diz.
Impacto na economia
Com base na trajetória passada do desmatamento, os pesquisadores trabalharam com modelos para projetar três cenários futuros – um de desmatamento caindo, como ocorreu até 2012 (otimista); um em que ele segue a tendência de alta dos últimos anos (o chamado business as usual); e um de descontrole total, como era até 2005.
Para os autores, no primeiro cenário, o Brasil consegue ficar dentro do seu orçamento de carbono para ajudar o planeta a conter o aquecimento a 2°C até o final do século. Mas a partir do segundo cenário, o quadro pode se complicar. “Isso poderia minar o sucesso que o Brasil teve em reduzir suas emissões por meio do controle do desmatamento observado na última década”, escrevem.
“Quando falamos em um mundo com menos de 2°C de aquecimento, estamos falando numa quantidade máxima de carbono que pode ser emitida pelo planeta inteiro – é o que chamamos de ‘orçamento’. Pensamos quanto cabe ao Brasil nesse orçamento e calculamos quanto ele pode emitir até 2050”, explica Schaeffer.
“Se o desmatamento aumenta e avança em suas emissões, sobra menos para o resto da economia emitir. Ou seja, setores como o de energia e a indústria vão ter de reduzir muito mais suas emissões do que se prevê hoje, talvez até tenham de ajudar a capturar e absorver carbono, com tecnologias que ainda não estão maduras e são muito mais caras”, complementa.
Os pesquisadores estimaram o “esforço necessário em outros setores da economia para compensar o enfraquecimento da governança ambiental” e ainda possibilitar que o País consiga cumprir sua meta diante de uma eventual alta nas emissões provenientes de desmatamento.
Pelos modelos, se o desmatamento continuar subindo no ritmo que ocorreu nos últimos cinco anos, os custos para o País alcançar a sua meta junto ao Acordo de Paris podem ser de US$ 2 trilhões até 2050.
No pior cenário, o custo pode chegar a US$ 5 trilhões e não é garantido que o Brasil consiga atingir suas metas. Em resumo, o custo total de um enfraquecimento da governança ambiental pode ser entre 2 a 3,3 vezes maior. “Para contrabalançar uma política brasileira do século 19, a economia teria de recorrer a uma tecnologia do século 21 muito mais cara”, resume Schaeffer.
Fonte: Estadão
Deixe um comentário