Em comemoração ao Dia da Árvore, festejado nesta sexta, 21 de setembro, e à Semana Florestal, o Sindsema entrevistou uma das personalidades que mais lutaram pelo meio ambiente em Minas Gerais e em todo o Brasil. José Carlos Carvalho é engenheiro florestal, foi ministro do Meio Ambiente, secretário-executivo do Ministério de Meio Ambiente, diretor e presidente do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), secretário de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais e diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF/MG).
Sua notável carreira inclui ainda a atuação na organização de várias instituições ambientais brasileiras, destacando-se a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD), do Instituto Mineiro da Gestão das Águas (IGAM) e da Agência Nacional das Águas (ANA).
Nesta entrevista, ele fala sobre o início de sua trajetória, sobre os desafios relacionados ao meio ambiente, sobre o novo Código Florestal e sobre os ensinamentos deixados pelo desastre de Mariana, entre outras questões.
José Carlos Carvalho, engenheiro florestal, é um nome fundamental na luta em defesa do meio ambiente no Brasil. Confira também a entrevista em vídeo.
SINDSEMA: O senhor é engenheiro florestal. Uma de suas primeiras atuações profissionais na área de meio ambiente foi como servidor do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, que, naquela época, tinha pouco mais de 10 anos de criação. Anos depois, o senhor retornou ao órgão, desta vez como diretor-geral. Conte-nos um pouco esta trajetória e sobre o papel do IEF em sua formação como profissional e servidor público?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Foi uma experiência extremamente proveitosa. Eu me formei na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em 1974 e, já naquela época, a minha vocação era de trabalhar na área de conservação da natureza. Era um período de muitas oportunidades. Escolhi o Instituto Estadual de Florestas porque representava o conjunto das atividades que eu gostaria de desenvolver, bastante relacionado à conservação da natureza, à extensão rural e florestal, à produção de mudas e espécies nativas para reflorestamento.
Quando entrei no Instituto de Florestas, fui designado para trabalhar no escritório de Governador Valadares. Tive uma carreira muita rápida. Entrei com 22 anos; com 24 anos fui convidado para ser coordenador estadual; com 26 fui diretor e, com 29, me tornei presidente.
Depois, saí por dois períodos, para continuar no setor público, quando fui para Brasília ser secretário-geral do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Naquela ocasião, participei do grupo de trabalho que criou o IBAMA. Depois, retornei a Belo Horizonte para ser novamente diretor-geral do IEF por cinco anos. Em seguida, fui convidado para criar a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde fui o primeiro secretário. Depois desse período retornei mais uma vez a Brasília, para ser secretário-executivo e ministro do Meio Ambiente.
SINDSEMA: O senhor participou da criação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, trazendo o IEF e o IGAM para a formação do que é hoje o Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema). Também teve uma destacada atuação à frente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais por três mandatos, foi presidente do Copam e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, entre outros. Qual era o cenário daquela época e o que evoluiu desde então?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Quando a Secretaria do Meio Ambiente foi criada já havia um contexto de grandes transformações no Brasil, e Minas era o único grande estado da Federação Brasileira sem a secretaria específica de Meio Ambiente. Fui convidado para coordenar os esforços da criação desta, que decidimos denominar de Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, já naquela época apontando para a necessidade de não restringir a gestão ambiental aos mecanismos de comando e controle do Estado e trabalhar com a lógica do desenvolvimento sustentável.
Acho que o Brasil evoluiu muito na área ambiental, com a Constituição de 1988, que está fazendo 30 anos, e com a qual tive a oportunidade de colaborar. Mas, infelizmente, de uns cincos anos para cá, temos verificado um esforço de retrocesso, patrocinado por um bancada muito conservadora no Congresso Nacional, que vem atacando conquistas importantíssimas alcançadas pela gestão ambiental ao longo destas últimas três décadas.
SINDSEMA: A sua atuação se deu também em âmbito nacional. Foi ex-presidente do IBAMA, ex-ministro do Meio Ambiente. Quais são as principais tensões e embates enfrentados no exercício destes cargos? Como é a relação com outras pastas ligadas ao desenvolvimento econômico?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Na verdade, o papel é mais ou menos o mesmo, mas a alçada e as esferas de decisão são diferentes. O ministro trabalha mais no plano estratégico, na formulação e na concepção de políticas, enquanto o secretário de Estado opera mais no nível prático, sobretudo considerando que os estados são os responsáveis pelo licenciamento ambiental das principais atividades efetivas e potencialmente poluidoras. Mas também existem pressões ligadas ao licenciamento dos grandes empreendimentos em nível federal, já que o licenciamento das atividades que requerem atuação neste âmbito é feito pelo IBAMA.
No meu entendimento, temos um licenciamento muito cartorial, que gera embates e conflitos. Ao invés de ter um modelo de gestão mais holístico, integrado e sistêmico, acabamos fazendo uma gestão muito compartimentalizada.
Esta para mim é uma questão central, não apenas de Minas, mas da política nacional do meio ambiente. Como não temos avaliação de impacto ambiental ex-ante, ou seja, no momento de decidir sobre um grande empreendimento, esta questão só vai aparecer no balcão de licenciamento, tornando este processo uma usina de crises: já se decidiu que o empreendimento pode ser feito, o governo já deu o aval para a mineração, para construir a hidrelétrica, para fazer a rodovia, e não se tratou de nada relacionado ao meio ambiente, que só vai aparecer na hora que o empreendedor entra com o pedido de licença no órgão ambiental.
SINDSEMA: E a recente alteração da Lei de Licenciamento Ambiental em Minas? Ela não trouxe nenhum ganho neste sentido?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: O esforço que tem sito feito em Minas deve ser louvado pela necessidade de aprimorar os mecanismos de gestão e licenciamento. E o projeto de lei que está tramitando no Congresso, um projeto de lei horroroso em relação àquilo que achamos que precisa ser feito para melhorar o licenciamento, não ataca essa questão, que considero crucial [a avaliação de impacto ambiental ex-ante]. Ao pensar um modelo de gestão ambiental realmente condizente com o princípio do desenvolvimento sustentável, não é possível externalizar os custos ambientais: eles devem estar inseridos dentro do custo global do projeto.
SINDSEMA: Diversos temas vêm causando embates na área de Meio Ambiente. É possível conciliar interesses, como agricultura e meio ambiente? Para onde caminha o setor no Brasil?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Acho que temos um falso dilema falso no Brasil. Vamos tomar como exemplo o que você cita, o meio ambiente e a agricultura. Nós tratamos como excludentes questões que não o são, e essa é uma delas. Quando você discute a questão da agricultura e do meio ambiente, você discute a pressão antrópica, o desmatamento a degradação do solo, das nascentes. Quando falamos destes impactos, fazemos um debate extremamente ecológico e esquecemos de fazer o debate econômico. A conservação do solo e da água é tão importante para o proprietário rural quanto para qualquer ambientalista, porque estamos falando dos fatores de produção do negócio agropecuário. Por isso, qualquer atividade agrícola que promova a degradação desses recursos produz uma prosperidade falsa, porque acaba destruindo as bases futuras do seu próprio desenvolvimento.
Apesar do desmatamento, quase metade do território brasileiro ainda possui algum tipo de cobertura vegetal
SINDSEMA: A criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral vem sofrendo críticas de diversos setores, desde o agronegócio até comunidades tradicionais, incluindo pequenos, médios e grandes proprietários, que se opõem à sua criação. Existem outros modelos possíveis de serem implantados? O novo Código Florestal foi uma solução?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: O novo Código Florestal trouxe uma polarização muito grande entre ruralistas e ambientalistas, e com isso nós perdemos oportunidade de discutir mecanismos mais adequados de Política Florestal. A crítica que faço ao Código Florestal é que ele se relaciona muito mais com o uso da terra do que com as florestas, porque o grande embate do Código Florestal foi a APP e a Reserva Legal. Mas acho que ele trouxe um avanço: a instituição do Cadastro Ambiental Rural (CAR), em que as propriedades têm que ser cadastradas, e o mais importante, o Programa de Recuperação Ambiental das Propriedades Rurais, por meio do qual devem ser apresentadas as iniciativas para restaurar ecossistemas destruídos. Temos que recuperar 22 milhões de hectares de áreas de preservação permanente e reserva legal no Brasil. Em Minas isso representa mais ou menos 10%.
A grande crítica era que havia uma Legislação Florestal extremamente baseada nos mecanismos de controle e comando do estado, uma lei muito baseada na fiscalização do desmatamento, do uso predatório, e não avançamos na lógica do desenvolvimento sustentável. Esta questão precisa ser enfrentada para que o Brasil tenha uma política florestal mais moderna, sobretudo em um país onde quase metade do seu território, a despeito de todo o desmatamento, ainda tem algum tipo de cobertura florestal. Um país que tem um terço das florestas tropicais do mundo remanescentes em seu território e um país que, nunca deixamos de esquecer, é o único do mundo que tem nome de árvore.
Sobre as unidades de conservação, nós temos uma lei específica, que institui o Sistema Nacional de Unidade de Conservação, modelado para criar as unidades de conservação de acordo com as especificidades locais, regionais e atributos de conservação. O que temos que fazer no Brasil, e isso vem avançando um pouco, é criar unidades de conservação de Proteção Integral que não sejam necessariamente parques, que tenham um nível de restrição mais amplo. É possível criar – e Minas foi um dos estados que mais soube fazer isso -, monumentos naturais, que são de proteção integral, mas permitem certa flexibilidade. Você pode criar unidades de uso sustentável, reservas extrativistas, mas é preciso ficar claro que em algumas circunstâncias, em razão da necessidade de proteger áreas ecologicamente muito sensíveis, será inevitável continuar criando áreas de proteção integral.
SINDSEMA: O desastre de Mariana marca um capítulo negativo na história do meio ambiente brasileiro. Como evitar que tragédias como esta aconteçam novamente? Quais lições tirar e como superar este episódio?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Mariana foi uma tragédia de dimensão mundial, que revela que temos ainda uma estrutura de gestão ambiental da mineração a ser melhorada. Em Minas Gerais, já em 2003, em razão de um acidente que aconteceu em Cataguases [Zona da Mata], houve alguns avanços, como cadastro de barragens, auditorias independentes anuais. Mas isso se demonstrou insuficiente, porque as mineradoras ainda adotam tecnologias, no caso de minérios com pouco teor de ferro, que exigem a lavagem. Isso significa construir grandes barragens de rejeitos.
Defendo que, em relação à mineração, é preciso criar barragens mais seguras do ponto de vista técnico e caminhar para uma tecnologia de processamento a seco, dispensando as barragens de rejeito. Também é possível trabalhar no sentido de construir barragens em locais mais apropriados, o que foi o grande ensinamento de Mariana. Fala-se que o empreendimento mineral é caracterizado pela rigidez locacional. Realmente não é possível mudar a jazida de lugar. Mas isso não vale para a barragem. É uma crítica que temos que fazer. Se podemos fazer 400 km de um mineroduto, por que não podemos fazer três, quatro ou cinco km para localizar a barragem em regiões mais seguras? São questões sobre as quais é preciso refletir.
SINDSEMA: O senhor participou da criação da carreira de Meio Ambiente em Minas Gerais, do Sisema, a Lei 15.461: analistas, gestores e técnicos e auxiliares ambientais. Por que não foram criadas carreiras profissionais? Quais as vantagens e desvantagens de sermos todos analistas, gestores e não engenheiros, biólogos, advogados administradores?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Porque estas são profissões, e não carreiras. Como acontece em toda grande empresa, pública ou privada, as demandas das profissões são organizadas em carreiras para que haja processos de recursos humanos mais evoluídos, para que seja possível avançar na carreira, ter promoção e progressão, avaliação de desempenho. No meu entendimento, isto é uma questão irrelevante. É melhor ter uma carreira com as profissões necessárias e, com isso construir um grupo de recursos humanos, que é principal ativo de uma instituição.
SINDSEMA: O serviço público e as carreiras de Estado, como a do Sisema, carreira típica de Estado, com poder de polícia administrativa, estão sob ataque de diversos setores. Fala-se muito hoje em terceirizar esta atividade. Como o senhor vê esta questão?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: O que justificou a criação da nossa carreira foi o fato de que trabalhamos em atividade típicas do Estado e todas elas, principalmente as que têm poder de polícia administrativa, não podem ser terceirizadas. O que não significa que não seja possível ter um processo de perícia técnica nas fases de produção de parecer técnico ou de avaliação de determinadas questões de natureza técnica, que precisam ser levadas à decisão da autoridade pública. Mas, definitivamente, os profissionais encarregados do licenciamento, aqueles que vão praticar os atos de gestão representando o poder público, no meu entendimento, jamais devem ser terceirizados.
SINDSEMA: Com toda a sua vivência e bagagem, qual a mensagem gostaria de enviar ao servidor que hoje exerce as funções que o senhor um dia exerceu? Vale a pena?
JOSÉ CARLOS CARVALHO: Vale muito a pena. Quem trabalha para proteger o meio ambiente trabalha para proteger o ambiente no qual a vida se manifesta. Não pode haver tarefa tão nobre quanto esta. Vivemos um momento difícil, de questionamentos sobre importantes conquistas da área da gestão ambiental brasileira, mas por outro lado, vejo que temos uma sociedade atenta e mobilizada. A gestão ambiental deve continuar investindo nos mecanismos de decisão colegiada para abrir espaço para a participação da sociedade civil, para dialogarmos com empreendedores e aperfeiçoar a legislação, para criar um ambiente no qual o país possa realmente se caracterizar por um novo modelo de desenvolvimento. Eu sou servidor público de carreira, me aposentei com 37 anos de serviço, e entendo que temos que trabalhar também com foco na missão das nossas instituições.
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