Segundo o relatório Estado do Clima 2017, divulgado pela NOAA e pela Sociedade Meteorológica Americana, níveis dos principais gases de efeito estufa bateram o recorde de 2016; o ano passado também foi o terceiro mais quente já registrado e teve elevação do nível do mar sem precedentes
As emissões dos principais gases de efeito estufa – dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – alcançaram novos recordes no ano passado, de acordo com o relatório Estado do Clima 2017, divulgado nesta quarta-feira, 1, pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa) e pela Sociedade Meteorológica Americana.
O documento, produzido por mais de 500 cientistas de 65 países, apresenta os dados detalhados sobre os principais indicadores climáticos de 2017, incluindo emissões de gases de efeito estufa, temperatura, precipitação, nível dos oceanos, alterações na extensão das geleiras e ocorrência de ciclones tropicais.
De acordo com o relatório, a média de concentração de dióxido de carbono na superfície da Terra em 2017 foi de 405 partes por milhão (ppm) – um valor 2 ppm maior que o de 2016 e o mais alto já medido até hoje. Além das medições feitas na atmosfera, o relatório considera as medições feitas a partir de testemunhos de gelo, que registram as concentrações de carbono nos últimos 800 mil anos. Segundo o relatório, o aumento das taxas de CO2 na atmosfera quadruplicou desde o início da década de 1960.
Em relação ao aquecimento global, o relatório mostra que vários países – incluindo a Argentina, o Uruguai, a Espanha e a Bulgária, registraram recordes históricos de temperaturas anuais. O México quebrou esses recrodes pelo quarto ano consecutivo.
As temperaturas globais na superfície dos continentes e dos oceanos, em 2017, ficaram 0,38 ou 0,48 grau Celsius – dependendo do conjunto de dados utilizado – acima da média registrada entre 1981 e 2010. Com isso, 2017 foi o segundo ou terceiro ano mais quente desde que os registros tiveram início, na segunda metade do século 19. Segundo o relatório, todos os quatro anos mais quentes já registrados ocorreram a partir de 2014. O ano mais quente da história foi 2016, seguido de 2015. Considerando apenas os anos sem El Niño, 2017 foi ano mais quente já registrado.
A temperatura média anual na baixa troposfera – a parte da atmosfera abaixo de 10 quilômetros de altitude – em 2017 foi 0,38 ou 0,58 grau Celsius acima da média registrada entre 1981 e 2010, dependendo do conjunto de dados analisado. Esse número representa uma queda de mais de 0,1 grau Celsius em comparação à temperatura recorde registrada em 2016.
Em 2017, a elevação média do nível do mar também foi a mais alta já registrada: 7,7 centímetros acima da média de 1993, quando as medidas começaram a ser feitas com altimetria por satélite. Segundo o relatório, o nível global dos oceanos está subindo em uma taxa média de 3,1 centímetro por década. Os níveis subiram por seis anos consecutivos e a elevação ocorreu em 22 dos 24 anos medidos.
A redução na expansão gelo no Ártico foi outro recorde de 2017. A cobertura máxima de gelo no Ártico foi 8% menor que a média do período de 1981 a 2010, a mais baixa desde o início da medição por satélite há 38 anos. A cobertura de gelo na Antártica também bateu um recorde de redução, chegando a 2,2 milhões de quilômetros quadrados – a menor desde 1978, quando começaram as medições por satélite no continente.
Metas em risco. De acordo com o climatologista Tercio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da Universidade de São Paulo (USP), o relatório confirma o que os especialistas já sugeriam: ano a ano há uma tendência real de aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.
“Antes do período industrial, a concentração de CO2 era de 385 a 390 ppm. Em 2016, nós ultrapassamos a marca dos 400 ppm, que representava um aumento de 40%. O novo recorde indica que aquele aumento não foi pontual, mas uma tendência positiva de aumento das emissões. Precisamos discutir até quando vamos manter essa taxa de crescimento, porque nesse ritmo logo vamos atingir níveis críticos a partir dos quais as mudanças do clima serão irreversíveis”, disse Ambrizzi ao Estado.
O novo recorde também reforça a convicção de que as alterações climáticas em curso foram produzidas pelo ser humano, segundo o pesquisador. “Tanto esse aumento de mais de 40% nas concentrações de CO2 como as elevações já registradas nas temperaturas e nas mudanças de uso da terra são fatores que estão ligados à ação humana nos últimos 150 anos.”
As tendências indicadas pelo relatório também causam preocupação no que diz respeito às metas assumidas pelos países no Acordo de Paris, segundo Ambrizzi. O acordo, estabelecido em 2015, determina que os 195 países signatários se esforcem para conter o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século, com tentativas de atingir uma meta mais ambiciosa de limitar o aquecimento a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais.
Para que essas metas sejam atingidas, calcula-se que será preciso estacionar as emissões em um limite de 450 ppm. “Se passarmos de 500 ppm, não háverá mais chances de manter as temperaturas abaixo de 2 graus. Infelizmente estamos indo nessa direção”, afirmou Ambrizzi.
Segundo Ambrizzi, todos os dados disponíveis até agora indicam que o ano de 2018 será o mais quente da história, batendo o recorde de 2016. Além dos recordes de temperaturas locais e das ondas de calor que estamos vendo, as previsões são de que o El Niño está se configurando neste ano e até dezembro estará ativo, enviando uma quantidade maior de energia à atmosfera, segundo o pesquisador.
“Tudo indica que teremos um recorde de temperatura e atingiremos um aumento médio de 1 grau em relação à era pré-industrial. Com isso, é provável que o limite de 1,5 grau do Acordo de Paris será atingido muito antes do que previam os países que se comprometeram como tratado”, afirmou.
Problema indisfarçável. De acordo com Carlos Rittl, secretário-geral do Observatório do Clima – grupo que reúne mais de 30 ONGs ambientalistas no Brasil -, o relatório dá a entender que a situação atual das mudanças climáticas apresenta riscos extremamente severos para a qualidade de vida humana, para a biodiversidade, para os ecossistemas e para a economia do planeta.
Segundo ele, o relatório tem mais de 300 páginas e será preciso mais tempo para fazer uma análise mais minuciosa. No entanto, Rittl afirma que os pontos do relatório destacados pela própria NOAA apontam para a gravidade da situação.
“Os órgãos do governo americano, como a NOAA, estão orientados a utilizar uma linguagem amena nos relatórios. Ainda assim, os pontos do documento destacados pela NOAA confirmam que 2017 foi um dos anos mais quentes já registrados, que já passamos definitivamente do marco de 400 ppm na concentração de gases de efeito estufa e que o nível do mar está subindo”, disse Rittl ao Estado.
Rittl também destacou que o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera está diretamente ligado à capacidade de limitar ou não as emissões dentro das metas do Acordo de Paris.
“Esse relatório estimula ainda mais o debate e as discussões sobre os problemas que estamos enfrentando. Os recordes de temperatura, as ondas de calor em todo o Hemisfério Norte, os eventos climáticos extremos que estão se multiplicando, tudo isso nos traz um grande incentivo para cobrarmos os governos de forma muito mais intensa”, disse Rittl.
Segundo Rittl, os governos sofrerão cada vez mais pressão para tomar atitudes mais consistentes. Além do novo relatório da NOAA, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançará em outubro um novo relatório que apontará quais serão as consequências de um aquecimento global acima de 1,5 grau Celsius.
“Isso exigirá dos tomadores de decisão uma ação muito mais rápida. Cada vez mais vemos a extensão e a gravidade do problema e agora já começamos a observar as consequências extremamente severas das mudanças climáticas. E mesmo assim, continuamos postergando a solução”, disse Rittl.
De acordo com Rittl, os governos precisarão tomar com urgência medidas que acelerem a transição energética e a descarbonização das economias. “Temos uma eleição no Brasil em outubro e eu espero que esses relatórios e outras informações que temos à disposição levem os novos gestores e legisladores a chamarem a responsabilidade para si, pois eles terão de tomar decisões importantes para nos colocar no trilho da responsabilidade climática”, afirmou
Fonte: Estadão
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