Entidade pede ao Igam que declare áreas de conflito pelo uso de recursos hídricos na bacia, entre elas a região em que é feita a captação que abastece 70% de BH e 45% da região metropolitana
Fundamental para a vida na Região Metropolitana de Belo Horizonte e boa parte do estado, o Rio das Velhas sofre com uma situação de superexploração e vulnerabilidade que liga o alerta para o risco de problemas futuros de abastecimento. Preocupado com a situação, o Comitê da Bacia Hidrográfica requer ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) que declare como áreas de conflito pelo uso da água a região onde é feita a captação que abastece 70% da capital e 45% dos cerca de 5,1 milhões de habitantes da Grande BH, além de dois mananciais nos arredores de Curvelo, na Região Central de Minas. O deferimento do pedido pode representar a adoção de medidas como a restrição a novos pedidos de exploração.
Segundo análise do comitê, nos pontos em que é solicitada a declaração de área de conflito a demanda está muito acima da oferta, levando a uma situação de disputa pelos recursos hídricos. Os locais são, além do Alto Rio das Velhas, trecho em que a Copasa faz a captação para a Grande BH – em Nova Lima, a partir do distrito de Bela Fama –, o Rio Bicudo e o Ribeirão Picão, na região de Curvelo.
O temor dos integrantes do comitê de bacia é de um processo gradativo de piora ou mesmo de colapso, caso nenhuma atitude seja tomada. O requerimento foi feito por meio de moção sobre declaração de áreas de conflito pelo uso de recursos hídricos, acompanhada de estudos comprovando a saturação, enviados ao Igam. “O comitê tem alguns instrumentos de gestão e um deles é garantir a quantidade e a qualidade da água. Para isso, é preciso entender se a oferta é suficiente para a demanda. Quando esses dois itens não batem, com uma demanda superior à oferta, inevitavelmente há um problema de gestão e de conflito pelo uso da água”, explica o presidente do comitê (CBH Velhas), Marcus Vinicius Polignano.
SUPEREXPLORAÇÃO Segundo o documento, as três áreas têm uma demanda atual muito acima do potencial que o rio tem para entrega. “O Alto Velhas, no período de estiagem, entre julho e outubro, tem uma vazão que chega à casa dos 10 metros cúbicos por segundo (m3/s). Só a Copasa retira 6,5m3/s. A mineração, mais 1m3/s. Logo, são 70% a 75% daquilo que o rio tem”, diz. “Do ponto de vista de equilíbrio e vazão do rio, só poderíamos retirar 30%, ou seja, 3m3/s. Estamos invertendo a lógica: tirando cerca de 70% e deixando 30%”, acrescenta. A situação na área de captação para abastecimento da Grande BH é mais vulnerável, já que a retirada da água é feita diretamente no leito do rio, sem represas que garantam o armazenamento a longo prazo.
O presidente do CBH Velhas ressalta que a discussão não visa a diminuir a captação da Copasa. “BH precisa dessa água. Hoje, a capital é abastecida por duas cabeceiras de rio: uma é do Velhas e o restante vem do Paraopeba. Queremos dizer é que estamos em uma fragilidade muito grande e a não preservação desses locais pode implicar risco grande para a capital”, afirma. Por isso, a preocupação para se fazer uma boa gestão da água que resta, pensando nos próximos anos e em um projeto de rio de longo prazo, garantindo a vitalidade ao longo de mais 700 quilômetros de leito, até desaguar no Rio São Francisco.
Sem medidas de preservação, o risco é BH e região metropolitana ficarem sem água a longo prazo e, a curto prazo, reviverem a crise hídrica de 2014, quando os reservatórios chegaram a níveis críticos por escassez de chuva. “Na estiagem, que dura a maior parte do ano, entramos gradativamente em um estresse hídrico, começando a retirar mais do que teríamos direito. Se não tomarmos medidas complementares, ficaremos cada vez mais na faixa de insegurança”, alerta.
No caso do Rio Bicudo, segundo o comitê, já foi outorgado o direito de retirar mais de cinco vezes o que seria permitido para o local – a demanda está em 506%, pelos cálculos da entidade. No Ribeirão Picão, esse índice chegaria a quase três vezes o recomendável (286%) e, no Alto Rio das Velhas, a 59%. A decretação do estado de conflito, segundo o presidente do comitê, tem como consequência a imposição de medidas de advertência e restrição.
Uma delas é alertar a sociedade e todos os usuários que dependem do rio de que há uma situação de preocupação em relação à gestão do recurso. Declarado o estado de conflito, o órgão gestor, no caso o Igam, é obrigado a limitar novas permissões de retirada de água. “Se conceder, dá o direito de uso sem ter como entregar”, diz Polignano.
Usuários também devem repactuar a gestão, obrigando-se a compartilhar de forma mais racional o recurso. Em caso de escassez de água, o estado de conflito assegura a prioridade para abastecimento humano. E estabelece, com a adoção de políticas públicas, a obrigação de busca de outros mecanismos para produzir mais água na região afetada.
“Estamos explicitando que há dificuldade para que o rio consiga atender a todos. Ele não pode atender só a uma cidade. São 700 quilômetros de extensão e, por isso, é preciso continuar tendo vazão na sequência, para manter a capacidade de abastecimento de outros municípios e garantir uso múltiplos das águas. A gestão do conflito deve ser muito mais compartilhada e as outorgas mais limitadas e conscientes, para preservar as áreas de produção”, diz Polignano.
“A produção é associada com chuva normalmente. Mas tem chovido cada vez menos, em média dois meses e meio por ano, que tem 365 dias. De onde vem essa água? BH não produz uma gota do que consome. Tudo vem das cabeceiras do Velhas ou do Rio Paraopeba. Precisamos de um sistema de produção de água que passe pela chuva, mas também pela permeabilidade do solo e áreas de recarga, que vão manter as nascentes. Algo contínuo que perdure o ano todo, para criar a possibilidade de qualidade e quantidade”, avalia.
AVALIAÇÃO Por meio de nota, o Igam informou ter recebido a moção, que está em análise. As conclusões serão encaminhadas ao CBH Velhas no próximo mês. O instituto, no entanto, questiona a análise feita pelo comitê. Análise do órgão sustenta que a bacia do Rio Bicudo tem, atualmente, 25,4% de sua vazão outorgada. Na bacia do Rio das Velhas, o percentual outorgável é de 30%, restando 4,6% de disponibilidade, de acordo com o Igam. O órgão informa que a situação de conflito é configurada quando há comprometimento total da vazão outorgável. Sobre as demais áreas, o Igam afirma que fará ainda uma avaliação dos dados apresentados pelo comitê.
Análise da notícia
Sugar menos. Preservar mais
Roney Garcia
O alerta do Comitê de Bacia do Rio das Velhas é extremamente sério, mas corre o risco de ser menosprezado pelo período em que foi feito: com reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de BH cheios e os rios voltando a subir estado afora, graças a uma temporada de chuva que até agora se revela generosa. Historicamente, o hábito quando se trata de produção, gestão e consumo das águas vem sendo preocupar-se na seca e abrir as torneiras à primeira nuvem no céu, quando a lógica recomenda fazer economia sempre, além de provisão de represas e recuperação de nascentes no período de fartura, para garantir o abastecimento na escassez. A Grande BH enfrentou um aviso aterrador em relação ao fornecimento de água, especialmente entre 2014 e 2016. A principal reação foi instalar um novo cano de captação em um já degradado Rio Paraopeba. Se preservação, recuperação e uso consciente não passarem a ser constantes, e durante todo o ano, na próxima crise pode não haver mais de onde sugar.
Represas estão em recuperação
Com a chegada do período chuvoso, o Sistema Paraopeba, responsável por cerca de 60% do abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segue com uma sequência de alta. Somente nos últimos 30 dias, o nível do complexo aumentou em 3,6 pontos percentuais, chegando a 68% do total. A recuperação se deve, principalmente, à precipitação acima da média que atingiu cidades da Grande BH nos últimos dois meses. O volume de chuva pode ser visto nos dados pluviométricos dos três sistemas produtores que fazem parte do Sistema Paraopeba. Em Novembro, a represa de Rio Manso, o maior do conjunto, recebeu 239,4 milímetros (mm) de precipitação. Para se ter ideia, a média para o mês é de 115 mm. O montante foi o suficiente para o reservatório sai de 76,6% para 77,1%.
FONTE: ESTADO DE MINAS
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