Especialistas apontaram os riscos ambientais e retrocessos culturais trazidos pelo projeto de lei, que tramita na Câmara Federal
Proibido no Brasil desde 1967, o abate de animais silvestres pode voltar a ser praticado no país graças a um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC), que propõe a legalização da “caça esportiva” no país. Manifestando sua indignação e engrossando a mobilização de ambientalistas e pesquisadores contra a proposta, a Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana anunciou nesta segunda-feira (11/6), em audiência pública requerida por Osvaldo Lopes (PHS), o encaminhamento de uma moção de repúdio e de uma indicação à Câmara Federal, solicitando a rejeição da matéria; para reforçar a reivindicação, o vereador vai tentar colher a assinatura de todos os membros da Casa.
Defensor e ativista da causa animal e integrante da Comissão de Meio Ambiente, Osvaldo Lopes explicou aos presentes que, embora a referida proposição tenha sido apresentada e em âmbito federal, seus efeitos se aplicarão nos territórios dos estados e municípios, cabendo a estes se posicionar em relação à matéria. Para fundamentar a rejeição e o repúdio à aprovação da lei, que classificou como “retrógrada, injusta e cruel”, o parlamentar solicitou a opinião de ambientalistas e representantes do poder público municipal, que também se posicionaram contrários ao projeto.
Diferentemente das espécies domésticas, os animais silvestres são aqueles que nascem e vivem em ambientes naturais, sem a interferência humana em sua criação e manejo. No Brasil, os diversos ecossistemas abrigam uma infinidade de animais silvestres: tatus, pacas e capivaras, micos e bichos-preguiça, lagartos e jacarés, araras e papagaios, veados, javalis e onças habitam nossas matas e cerrados e, nas áreas rurais, acabam por interagir com as ocupações humanas e suas criações. Segundo o autor do PL 6862/16, Valdir Colatto a medida não representa ameaça à biodiversidade e a liberação da eutanásia e da caça visa apenas a proteger as atividades agropecuárias contra a “invasão” de espécies consideradas “nocivas”.
As críticas apresentadas pelos participantes da audiência foram unânimes e apontaram, entre outras coisas, a ausência de estudos acadêmicos e pareceres técnicos de especialistas que fundamentem a adoção da medida e a necessidade de mais esforços na busca de outras soluções para o controle e o manejo de espécies mais problemáticas.
“Cultura da violência”
Como justificativa para a proposição da lei, o autor apresenta como exemplo os problemas causados pelo crescimento da população do javali europeu, ou “javaporco”, animal exótico cuja proliferação no Brasil representa uma ameaça para os produtores rurais e cujo abate já é admitido pelo IBAMA desde 2013. Além da autorização para o abate de animais dentro do território das fazendas, como medida de defesa de pessoas ou rebanhos, e penas mais brandas para quem for flagrado caçando irregularmente, a matéria prevê a implantação de áreas destinadas à “caça esportiva”, ou seja, locais onde os animais serão caçados e mortos puramente por entretenimento ou esporte; 30% do lucro obtido nessas reservas e com a venda de animais silvestres seriam revertidos para projetos de conservação. Atualmente, ambas as práticas são previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98).
Representando a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Lígia Vasconcelos criticou o projeto do deputado, “integrante da ‘bancada ruralista’ e da ‘bancada da bala’”, que em seu entendimento a revogação da Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/67) representa uma agressão não apenas contra o meio ambiente, mas também contra a paz, pois contribui para a cultura da crueldade e da violência. Criticando o “lobby” da indústria armamentista, que incentiva o aumento do uso de armas pela população, ela apontou os riscos representados pelas “lacunas” da lei, que não especifica claramente as espécies que estarão expostas a seus efeitos nem propõe outra formas de manejo dessas populações.
A permissão do uso de cães de caça também foi considerada cruel e danosa pelo médico veterinário e defensor de animais Leonardo Maciel Andrade, não só pelos riscos de morte e maus tratos durante a atividade como pelas possibilidades de contaminação e transmissão de doenças ao trafegar de um ambiente para o outro. Além disso, a presença, o cheiro e os ruídos produzidos pelos cães, especialmente no período noturno, segundo ele, geram um alto índice de estresse nos ambientes, causando o abandono e a queda de ovos, a morte de filhotes e outros transtornos à fauna. Para ele, em que pesem alguns aspectos pertinentes da proposta de lei, o incentivo à prática da caça pela população impacta valores éticos e morais, indo na contramão dos esforços para a promoção de culturas de paz e de bem-estar animal.
Fiscalização deficiente
Representando a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o diretor de Fiscalização de Fauna e Pesca Marcelo Coutinho Amarante reconheceu os danos causados ao agronegócio e também ao meio ambiente pelos javaporcos, que concorrem com os caititus e porcos-do-mato nativos, destroem matas ciliares e desbarrancam rios, e destacou a importância das diferentes espécies silvestres na reprodução e no equilíbrio do ecossistema, atuando na dispersão de sementes e controle de vetores, por exemplo. Na dimensão ética, os animais são considerados hoje como seres sencientes, que sentem dor e angústia e, por isso, demandam proteção jurídica e garantia de direitos fundamentais.
O gestor criticou a adoção de soluções violentas em um país que desmata e descaracteriza seus habitats naturais e ocupa o terceiro lugar em tráfico de animais silvestres; nove em cada dez papagaios comercializados ilegalmente, segundo ele, chega morto ao receptador. Além de punições mais severas aos infratores, ele defendeu a proposição de formas biológicas de controle e manejo de espécies silvestres, com a orientação de especialistas. A médica Márcia Oliveira, que pediu a palavra durante a audiência, afirmou que, segundo dezenas de psiquiatras consultados por ela, o hábito da caça acaba assumindo um caráter compulsivo por parte de seus praticantes, que irão “matar qualquer ser vivo que apareça em sua frente”.
Os ambientalistas demonstraram a preocupação de que a matança não se restrinja apenas aos animais classificados como “nocivos” e estenda-se a outras espécies, que também estarão expostas a armadilhas, perseguição por cães e ferimentos de bala. Segundo Leonardo, mesmo com o suporte do IBAMA e outros órgãos ambientais, a delimitação das espécies mais “matáveis” ou que apresentam maiores riscos ao equilíbrio ambiental não é uma tarefa simples. Desta forma, a legalização e a institucionalização da caça poderão trazer consequências imprevisíveis à fauna do país. Atualmente, cerca de 350 espécies de animais nativos estão ameaçadas de extinção e a fiscalização ainda se mostra deficiente para coibir os crimes ambientais.
Repúdio e rejeição
Destacando o apoio do chefe nacional de seu partido, o deputado federal Marcelo Aro, à causa animal, Osvaldo Lopes lamentou a “ganância” envolvida na defesa dos interesses da bancada ruralista e anunciou que irá solicitar, por meio da comissão, o encaminhamento de uma Moção de Repúdio ao projeto de lei; segundo o vereador, o pesar e o descontentamento manifestados pela capital mineira em relação à proposta, já apresentados pelos municípios de Aracaju (SE), Blumenau (SC) e Niterói (RJ), poderão repercutir nas discussões sobre a matéria na Câmara dos Deputados. Com o apoio dos presentes, o parlamentar decidiu encaminhar também uma Indicação aos deputados federais, solicitando a rejeição da matéria pelo Plenário.
Para produzir maior impacto sobre os colegas da Câmara Federal, Lopes assegurou que irá colher as assinaturas de todos os integrantes do Legislativo Municipal. O vereador lembrou ainda que estamos em ano eleitoral, e que a indignação da população poderá ser manifestada através das urnas.
Superintendência de Comunicação Institucional
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