Com concessão de parques, governo quer aumentar arrecadação e visitas

Agenda do Ministério do Meio Ambiente é uma das poucas elogiadas por ambientalistas

Ana Carolina Amaral | SÃO PAULO

Entre as prioridades do atual comando do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a concessão de parques nacionais à iniciativa privada é considerada por ambientalistas como uma das poucas agendas realmente positivas para o ambiente no governo Bolsonaro.

Destinadas aos serviços de apoio à visitação, as concessões de parques nacionais têm sido encaradas pelos últimos governos como uma estratégia para alavancar investimentos, aumentar a visitação e o apoio da população às áreas protegidas e, ainda, diminuir custos de manutenção.

A atual gestão do MMA tem dado continuidade a estratégias desenvolvidas nos governos anteriores para a concessão de unidades de conservação e vem seguindo a prioridade de execução definida para o período 2018 a 2020, de acordo com servidores do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) ouvidos pela Folha

O órgão é responsável pela gestão das áreas protegidas do país —inclusive de parques com serviços concedidos, já que as ações de conservação e fiscalização seguem sob o comando do governo. 

Após ter concedido, ainda em fevereiro, os parques nacionais do Pau Brasil (BA) e de Itatiaia (RJ e MG), cujos editais foram preparados no governo anterior, o ministério prepara editais de outras nove unidades de conservação priorizadas pela estratégia 2018-2020. 

São os parques nacionais de Lençóis Maranhenses (MA), Serra do Bodoquena (MS), Jericoacara (CE), Caparaó (MG e ES), Chapada dos Guimarães (MT)Aparados da Serra (RS), Serra Geral (RS), Serra da Canastra (MG) e a floresta nacional de Canela (RS). 

Vista da cachoeira Véu de Noiva, na Chapada dos Guimarães (MT); ministério quer instalar nos próximos anos, por meio de concessão, um restaurante dentro do parque Eduardo Anizelli/Folhapress

No total, esse conjunto de parques deve exigir investimentos da ordem de R$ 153,7 milhões, com uma promessa de retorno de R$ 1,6 bilhão em receitas. As atividades arrecadariam R$ 191,4 milhões em impostos. 

No entanto, o radar do ministério para futuras concessões tem pelo menos o dobro de unidades de conservação. Segundo a assessoria de imprensa da pasta afirmou à Folha, um total de vinte unidades foram alvos de modelagens econômicas e estão sendo avaliadas conjuntamente pelo MMA e ICMBio.


As prioridades já anunciadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, são justamente os parques que constam na estratégia 2018-2020 e também figuram entre os dez mais visitados no último ano. 

Em 2017, os gastos de 10,7 milhões visitantes em unidades de conservação do país geraram uma economia R$ 8,6 bilhões em vendas de produtos e serviços e R$ 2,2 bilhões na geração de renda, através da criação de empregos diretos e indiretos, segundo estudo do ICMBio.

Somente o parque nacional de Jericoacoara (CE) movimentou um total de R$115 milhões com gastos de visitantes em 2017. Em terceiro lugar no ranking dos mais visitados, ele fica atrás apenas dos famosos e já concedidos parque nacional do Iguaçu (PR), que abriga as Cataratas, e o parque da Tijuca, o número um do país em visitação, principalmente por conta de abrigar a estátua do Cristo Redentor

Apesar do sucesso, o parque cearense não conta com investimentos em infraestrutura para receber os turistas. Segundo o analista ambiental e chefe do parque, Jerônimo Martins, o parque recebe apenas recursos de compensação ambiental, utilizados exclusivamente para manutenção e abastecimento de veículos. 

Segundo ele, a expectativa é que a concessão atenda à necessidade de construção de lanchonete, centro de visitantes, estacionamento, banheiros, estrutura para observação da fauna no manguezal e pontos de apoio para praticantes de kitesurf —a modalidade de surf com uso da uma pipa é um dos principais atrativos da região, junto às praias, lagoas e dunas. 

A necessidade de apoio à visitação também é presente no parque da Chapada dos Guimarães (MT), que fica a apenas 26 km de Cuiabá. Seus visitantes quase dobraram entre 2012 e 2018, chegando a 179 mil no último ano.

Uma das promessas para atrair investimentos para a Chapada é a previsão de um restaurante dentro do parque, no complexo de cachoeiras Véu de Noiva, segundo a estratégia 2018-2020. Atualmente, restaurantes aproveitam a paisagem no entorno do parque para vender refeições com direito a vistas paradisíacas. Os mirantes de alguns estabelecimentos são bastante procurados para 
festas de casamento. 

Atrair visitantes é um dos objetivos dos parques nacionais, uma categoria de unidade de proteção integral presente na legislação federal através do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), que inclui a preservação de territórios com beleza cênica (além da relevância ecológica) e o desenvolvimento de atividades de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. 

No entanto, o visitante costumava ser visto como “espécie invasora” e causador de impacto ambiental pelos órgãos reguladores, que na última década tem amadurecido o debate ambientalista entre as vertentes preservacionista (contrária à interferência humana em áreas de proteção de recursos naturais) e conservacionista (que defende a participação humana de forma controlada).

O apoio aos serviços de visitação virou majoritário à medida que foi entendido como uma estratégia para educação ambiental e para ganhar o apoio da população na conservação das áreas protegidas, hoje ameaçadas por avanços ilegais e também por conflitos territoriais com projetos de infraestrutura do governo. 

“Na lógica do governo, conceder um parque à iniciativa privada ou reduzi-lo para passar uma estrada por ali significa a mesma coisa: destravar o desenvolvimento”, diz Angela Kuczac, diretora da Pró-UCs, rede de organizações ambientalistas em defesa das unidades de conservação. 

“Falta entender que há limitações do que o governo pode fazer”, afirma Kuczac.

Um dos receios dos ambientalistas tem origem em declarações de Salles sobre concessões amplas, que dariam mais atribuições às concessionárias, ampliando a liberdade para a ação da iniciativa privada. 

Salles afirmou recentemente à Folha que burocracias do governo teriam impedido a instalação de wi-fi (internet sem fio) no parque nacional do Iguaçu —o primeiro do Brasil a operar com concessões, desde 1998. A Folha apurou que o parque conta com três pontos de conexão 
wifi: no centro de visitantes, no restaurante e no hotel. 

Segundo servidores do ICMBio que participaram da negociação, a proposta era de instalação de internet paga, o que geraria uma nova fonte de receita. Como não estava previsto no contrato de concessão, o serviço exigiria novas contrapartidas da empresa, em uma uma renegociação que não prosperou.

“É preciso discutir qual o melhor modelo de concessão para cada parque, em vez de se adotar um modelo único para concessão em larga escala”, defende o ex-presidente do ICMBio Cláudio Maretti. 

Segundo ele, a geração de renda do turismo poderia considerar descontos ou isenções para pessoas de baixa renda, que não poderiam deixar de ter acesso à natureza, e também o estímulo ao turismo de base local, que já pode estar estabelecido em parques onde haverá concessão. 

Exemplo disso é o parque dos Lençóis Maranhenses (MA), onde vivem 1.024 famílias de comunidades tradicionais. Parte dos atuais guias turísticos são moradores do parque, que também oferecem suas casas para turistas. A administração do parque não soube informar como os serviços atuais serão conciliados com a futura concessão.

O direito de vivenciar a natureza e de conhecer paisagens deslumbrantes foi, afinal, o que levou à criação do primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone, nos EUA. Por volta de 1870, exploradores defenderam que a área fosse protegida para que mais pessoas pudessem conhecê-la. Na mesma década, o engenheiro André Rebouças, pioneiro da exploração madeireira no Paraná, defendeu a proteção da área para que as gerações seguintes tivessem o direito de conhecer as Cataratas do Iguaçu.

Fonte: Folha de S. Paulo

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