Deputados da bancada ruralista e oposicionistas ligados à causa ambiental cavaram trincheiras opostas na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara por causa de um projeto de lei que altera as regras de licenciamento ambiental. A proposta, apelidada por ambientalistas de “licenciamento flex”, deve ser analisada pelos integrantes do colegiado nesta quarta-feira (23), a partir das 10h.
A batalha entre ruralistas e ambientalistas ganhou o reforço de personagens de fora do Congresso Nacional. Contrários às mudanças propostas no texto pelo deputado governista Mauro Pereira (PMDB-RS) – relator do projeto –, dirigentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se manifestaram publicamente pela rejeição da matéria.
Os dois órgãos federais alertam para o risco de retrocesso na fiscalização fiscalização do meio ambiente (leia ao final desta reportagem todos os pontos questionados pelo Ibama).
Entre outros pontos, o relatório de Mauro Pereira propõe o fim da obrigatoriedade ou, pelo menos, a simplificação do licenciamento ambiental para empreendimentos de infraestrutura, como construção de estradas e obras de saneamento, além de atividades agropecuárias.
O impasse em torno da proposta que modifica as regras de licenciamento ambiental deve reeditar a disputa entre ruralistas e ambientalistas protagonizada no primeiro mandato de Dilma Rousseff durante a tramitação do novo Código Florestal, que regulamentou a forma como a terra pode ser explorada.
O Código Florestal representou uma das primeiras grandes derrotas de Dilma no Legislativo. À época, parlamentares ligados ao agronegócio travaram embates furiosos e motins contra o Palácio do Planalto, que defendia um texto mais sintonizado com ambientalistas.
Após mais de quatro anos de embates, Dilma sancionou o novo Código Florestal em maio de 2012, com 12 vetos e 32 modificações às alterações feitas pelos ruralistas durante a tramitação do projeto no parlamento.
Ofensiva oposicionista
Apesar de a bancada ruralista contar com mais de 200 dos 513 deputados, parlamentares da oposição têm tentado barrar a aprovação do projeto da licença ambiental na Comissão de Finanças e Tributação.
Em número expressivamente menor do que o dos ruralistas, a oposição tem recorrido a dispositivos previstos no regimento interno da Câmara para atrasar ao máximo as sessões do colegiado, o chamado “kit obstrução”.
Na última reunião da comissão, que se estendeu ao longo de seis horas, oposicionistas apresentaram pedidos de retirada de pauta e inversão da ordem do dia.
Nesta quarta, a oposição deve, novamente, usar os meios regimentais para tentar frear a aprovação do relatório de Mauro Pereira. O projeto de lei tramita em regime de urgência e é o único item da pauta da Comissão de Finanças. Se aprovado, o relatório vai ao plenário da Câmara.
A base do parecer de Mauro Pereira é uma proposta que foi apresentada na Casa há 13 anos. Ao elaborar seu relatório, o deputado do PMDB incorporou outros 18 projetos de lei que tratavam sobre o mesmo assunto apresentados por diversos parlamentares entre 2004 e 2016.
Atualmente, o licenciamento ambiental não é regido por uma lei única. Ao longo dos anos, criou-se uma série de resoluções, pareceres e normas para regular a matéria.
A criação de uma lei geral que regulamente o licenciamento é uma demanda defendida até mesmo pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama e pelo ICMBio. No entanto, os órgãos ambientais reclamam que a proposta de Mauro Pereira enfraquece a atuação dos órgãos ambientais no processo de licenciamento.
Em parecer técnico, a presidente do Ibama, Suely Araújo, argumentou que há “imprecisões e omissões” no relatório apresentado pelo deputado peemedebista.
“Se a lei for aprovada com esses problemas, consideramos que será gerada insegurança jurídica colidindo com os objetivos da Lei Geral”, destaca a dirigente do Ibama no parecer técnico enviado ao Legislativo.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios CNM), Paulo Ziulkoski, ressalta que, atualmente, cerca de 2,3 mil municípios brasileiros (equivalente a 40% do total) praticamente já assumiram o licenciamento local.
Por outro lado, o dirigente da CNM admite que muitas prefeituras não têm estrutura técnica para exercer tal atividade.
“Claro que o relator está produzindo um relatório olhando todo esse leque. É um assunto muito importante para o debate, mas um debate para melhorar o projeto. Não adianta agora fazer tudo rápido a toque de caixa”, ponderou Ziulkoski.
Relator reclama de ‘morosidade’ da lei
Alvo de críticas de ambientalistas e oposicionistas, Mauro Pereira alega que o projeto de licenciamento ambiental vai dar segurança jurídica para novos empreendimentos, além de estabelecer as diretrizes do que a União e os estados deverão fazer.
O relator também acredita que sua proposta vai combater o que ele define como o “principal problema” da atual legislação sobre o tema: “a morosidade”.
“Hoje, quando a pessoa encaminha um licenciamento ambiental, leva uns quatro ou cinco anos para sair o parecer. Os órgãos públicos vão ter uma regra para trabalhar, um tempo específico. Não vão poder ficar o tempo que eles quiserem”, defendeu.
O deputado gaúcho explicou, ainda, que não ouviu apenas a opinião de parlamentares ruralistas para elaborar as propostas de mudanças na atual legislação.
“Nesse ano que estou como relator, fizemos em torno de 80 reuniões com ONG’s, com o Ibama e etc. A oposição está cumprindo com o papel deles, que é ser contra tudo e fazer as críticas deles”, ironiza Mauro Pereira.
Presidente da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) saiu em defesa do texto do parlamentar do PMDB. O tucano afirma que essa “quebra de braço” não ajuda ninguém e que é necessário “tirar ideologias do debate”.
Leitão explicou que o principal interesse do setor produtivo é desburocratizar o licenciamento e ser competitivo. “É o momento do setor ambiental compreender isso. Não pode olhar para o produtor como alguém que está contra o país”, complementou.
A principal proposta defendida pelo líder da frente parlamentar é o licenciamento simplificado para produtores rurais. De acordo com a nova lei, na instalação da propriedade, todos os órgãos ambientais poderão emitir pareceres e estudos. Após emitirem a licença, não será mais necessário novos licenciamentos.
“Atualmente, se um produtor planta milho e quer começar a plantar arroz precisa de uma nova licença. Esse tema se tornou um dificultador para a produção brasileira, e o estado não pode ser um atrapalhador desse serviço”, defendeu Leitão.
Oposição
Líder da Rede Sustentabilidade na Câmara, o deputado Alessandro Molon (REDE-RJ) tem sido um dos principais opositores da proposta de Mauro Pereira na Comissão de Finanças e Tributação. Molon é filiado ao partido fundado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que é uma das maiores referências brasileiras no exterior na militância ambiental.
Na avaliação de Molon – que se desdobrou no último encontro da Comissão de Finanças para tentar impedir a votação do parecer de Pereira –, o ponto mais negativo do projeto de licenciamento ambiental é a flexibilização da legislação ambiental nos estados.
“Haverá uma guerra ambiental. Os estados que mais flexibilizarem a sua legislação ambiental tendem a atrair mais empreendimentos e, com isso, mais degradado tende a ficar o meio ambiente brasileiro. Corrida para o liberou geral”, criticou Molon, fazendo uma analogia com a “guerra fiscal”, na qual estados disputam entre si, reduzindo tributos, para atrair empresas e investimentos.
“Se aprovado [o texto do licenciamento ambiental], quase todos vão ser liberados. Vai ser uma porteira aberta para desmatar a Amazônia”, alertou o líder da Rede.
Ponto a ponto
Saiba abaixo os principais pontos da nova proposta de licenciamento ambiental:
Emissão de licenças ambientais
Como é hoje: As atribuições e ações são delegadas aos estados. No entanto, as unidades da federação devem respeitar os requisitos previstos na Lei complementar 140/2011. As ações devem ser executadas por um órgão ambiental capacitado e o estado deve ter um conselho de meio ambiente.
O que diz o projeto: O projeto prevê que os estados serão responsáveis por determinar parâmetros para o rito do licenciamento ambiental, sem seguir regras pré-estabelecidas.
O que diz o Ibama: Sem um amparo em uma regra básica, a futura lei vai “potencializar conflitos normativos” e uma “guerra ambiental” entre os estados. A solução, segundo o órgão, seria estabelecer parâmetros básicos que possam ser complementados pelos estados e municípios.
Órgãos ambientais
Como é hoje: Se um empreendimento afetar a unidade de conservação, o licenciamento só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável pela administração da área.
O que diz o projeto: O relatório diminui o poder do gestor de uma unidade de conservação de se manifestar no licenciamento ambiental de um empreendimento que cause impacto na área protegida que administra. “Órgão ou entidade da administração pública pode se manifestar de forma não vinculante no licenciamento ambiental sobre os temas de sua competência”, diz o projeto.
O que diz o Ibama: O instituto defende que a proposta é inconstitucional porque colide com artigo que incube ao poder público definir espaços territoriais essencialmente protegidos. “Considera-se que essa situação configura um retrocesso inaceitável em relação às regras atualmente em vigor”, diz.
Como é hoje: O processo de licenciamento ambiental de trechos de rodovias e ferrovias federais é de responsabilidade do órgão ambiental federal, mediante comprovação do atendimento dos requisitos estabelecidos pela entidade ambiental.
O que diz o projeto: A licença de instalação de empreendimentos destinados a rodovias e ferrovias deverá contemplar programas e condicionantes ambientais, de forma a permitir o início da operação logo após o término das instalações.
O que diz o Ibama: O texto do relator prevê que esses empreendimentos comecem a operar logo após o término das instalações, sem a necessidade de receber uma Licença de Operação. “Há empreendimentos lineares complexos em que essa flexibilização não pode ser aceita”, diz o instituto.
Isenção de licença agropecuária
Como é hoje: O agricultor deve se cadastrar e informar a atividade agropecuária, incluindo informações sobre a situação fundiária, localização da propriedade, reserva legal, área de preservação permanente, área degradada e área explorada economicamente. O órgão competente decide pelo licenciamento, além obter essas informações para monitorar a atividade ao longo do tempo.
O que diz o projeto: Desde que cumpra as regras do Código Florestal, a atividade agropecuária ficaria isenta do licenciamento. “Cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes, e pecuária extensiva, realizados em áreas de uso alternativo do solo, desde que o imóvel, propriedade ou posse rural estejam regulares ou em regularização”, diz o relatório. Nesse trecho, o relator aplica a dispensa para atividades “em regularização” perante o Cadastro Ambiental Rural (CAR), cujas informações são autodeclaratórias.
O que diz o Ibama: A última versão do relatório apresentado, troca “regularizado” por “em regularização”. Na prática, isso permite, segundo o Ibama, que agricultores que se encontram pendentes de análise também fiquem isentos de licenciamento.
Dispensa de estudos ambientais
Como é hoje: Os órgãos ambientais competentes realizam estudos de impacto ambiental na área, independentemente do porte do projeto.
O que diz o Ibama: “Ora, como a autoridade poderá emitir a licença sem respaldo de um estudo ambiental? Mesmo que seja um estudo simples, ele necessita existir.”
Restrição ao cancelamento de licença
Como é hoje: Os órgãos ambientais podem modificar, suspender ou cancelar uma licença ambiental caso verifiquem violação ou inadequação de quaisquer condicionantes; omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição de licença; superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
O que diz o projeto: A futura lei restringe a capacidade da autoridade ambiental em cancelar licenças já concedidas.
O que diz o Ibama: O instituto defende que o relatório restringe a possibilidade de suspensão ou cancelamento de licença em ocorrência de acidentes aos casos em que se verifique significativo dano ambiental. “Ora, acidentes de menor proporção com frequência são prenúncio de acidentes maiores e, desde que de forma justificada, podem ser suficientes para demandar a suspensão de uma licença”, diz o Ibama.
Fonte: G1