Caros leitores, este blog tem o desprazer de anunciar que o Brasil recebeu, na Conferência do Clima que está acontecendo na Polônia, o prêmio Fóssil do Dia. Trata-se de uma premiação irônica que acontece em todas as COPs, não oficial, organizada pela Climate Network, que reúne mais de mil ONGs ambientalistas por todo o mundo. E o motivo da premiação foi o fato de o presidente eleito Jair Bolsonaro ter declinado de sediar aqui a próxima reunião para debater mundialmente sobre o clima, que vai acontecer no ano que vem.
Mas, não só isto: os premiadores também levaram em conta as declarações do próximo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em sua rede social, Araújo menospreza os estudos científicos que comprovam o aquecimento global, dando a ele uma esdrúxula significação: “marxismo cultural globalista” — que até hoje ficamos assim, sem entender muito o que é.
Não foi a primeira vez que o Brasil ganhou este prêmio, é verdade. No ano passado, durante a Conferência que foi realizada na Alemanha, em Bonn, uma medida provisória que propõe reduzir os impostos da exploração e produção de pretróleo e gás também pôs o país na berlinda desta forma nada lisonjeira. Mas, este ano, a curiosidade é que o prêmio foi concedido por causa de declarações de um presidente que ainda nem está ocupando o cargo. Isto é raro.
De Katowice, onde está acompanhando as negociações, o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, comentou sobre a premiação:
“É um prêmio diferente. Nunca antes na história das COPs um presidente recebeu o prêmio antes mesmo de assumir como chefe de Estado. A exceção tem uma justificativa. Em pleno século XXI, quando mais de 190 países rumam para salvar o mundo das mudanças climáticas, baseados em centenas de cientistas e milhares de estudos, o futuro presidente do Brasil resolveu dar as costas para os esforços globais, ameaça sair do Acordo de Paris e tomar medidas que farão explodir o desmatamento e a ilegalidade na Amazônia. Para completar, ainda anunciou que não vai hospedar mais a COP 25. O aquecimento global, que atinge, principalmente, a população pobre, já causou secas e chuvas extremas, prejuízos enormes à agricultura e à infraestrutura no Brasil e em todo planeta. Portanto, o prêmio é pelo conjunto da obra prometida por Bolsonaro, que ainda nem assumiu, mas já é considerado em todo o mundo como um inimigo do clima e do meio ambiente”, disse Astrini.
É difícil estarmos, nós brasileiros que nos preocupamos com os avanços dos impactos causados pela falta de atenção e cuidado com o ambiente que nos cerca, no centro das atenções deste jeito. Gera um sentimento de derrota que não desgruda. Mas, assim como depois do 7 a 1, é também um convite para reflexões, mais do que necessárias, sobre o momento atual.
Os ambientalistas que nos ofereceram o prêmio dizem, com razão, que os planos do presidente eleito para a floresta amazônica, até agora explicitados, não são motivo de riso ou de ironia. A coisa é séria.
“Ele prometeu acabar com o controle do desmatamento, abrir terras indígenas para grandes negócios, matar o licenciamento ambiental e até mesmo fechar o Ministério do Meio Ambiente. Os criminosos ambientais estão ouvindo atentamente: entre agosto e novembro, as taxas de desmatamento subiram 32%, e um estudo recente estima que pode chegar a 25 mil quilômetros quadrados por ano, com emissões resultantes de três bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Isso é tchau a 1,5 graus”, dizem eles na explicação do prêmio.
Se serve de consolo, o Brasil não foi o único a receber a premiação Fóssil do Dia na Polônia. Dividimos os holofotes dos corredores do Centro de Convenções onde está acontecendo a Conferência com a Arábia Saudita, país velho conhecido por causar bastante problemas durante os debates. Funciona assim: o texto final da Conferência vai recebendo, durante todo o período das negociações, que dura 14 dias, sugestões de acréscimos ou de retiradas de algumas expressões que possam agradar mais ou desagradar mais a uns e outros países. Como se vê, não é nada fácil costurar um texto desses. A Arábia Saudita, neste ano, decidiu implicar com a expressão “mecanismo de ambição” para chegar ao 1,5ºC no fim do século.
É preciso ambição, sim. Mas a ambição pode acabar justificando atitudes severas a favor do desenvolvimentismo. E, certamente, muita gente vai acabar defendendo o presidente eleito justamente porque ele leva a acreditar que o melhor caminho para o Brasil alcançar o progresso é acabando com a “farra” das pessoas que querem preservar o meio ambiente. Um imbróglio eterno que vai marcar nossa civilização.
FONTE: G1