Para especialistas, lógica do governo é adaptar o meio ambiente ao sistema produtivo — movimento que pode ter consequências negativas para a sustentabilidade
Há três meses, a decisão de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura foi anunciada pelo governo de Jair Bolsonaro. A medida foi criticada pelos prejuízos ambientais e comerciais que poderia trazer e foi colocada de lado dias depois pela equipe do presidente eleito. Em seu primeiro mês de mandato, porém, o governo têm tomado medidas que voltam a trazer tais preocupações à tona — envolvendo o enxugamento e a transferência de competências da pasta do Meio Ambiente.
Uma das principais medidas envolve a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura. O serviço é responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), que regulariza propriedades rurais e faz a gestão de áreas de reserva e preservação. A pasta da Agricultura também passa a ser responsável pela identificação, delimitação, demarcação e pelos registros de terras indígenas e quilombolas, competências antes exercidas pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O licenciamento do setor da pesca foi outra competência transferida do Meio Ambiente para a Agricultura. Já a política nacional de recursos hídricos se tornou atribuição do Ministério do Desenvolvimento Regional, com a transferência do Departamento de Recursos Hídricos, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e da ANA (Agência Nacional de Águas) para a pasta.
Outra medida significativa foi a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas. Com ela, deixam de existir o Departamento de Políticas em Mudança do Clima e o Departamento de Monitoramento, Apoio e Fomento de Ações em Mudança do Clima. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a agenda relativa às mudanças climáticasserá tocada por uma assessoria especial, a ser criada. Outras estruturas, como a Comissão Nacional de Combate à Desertificação e o Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, foram removidas da pasta sem que se indicasse para onde irão.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, Gerd Sparovek, as alterações feitas no Ministério do Meio Ambiente se alinham com o discurso de campanha de Jair Bolsonaro de que o agronegócio brasileiro já cumpre seu papel ambiental e não é um vetor importante de desmatamento. Ele diz, porém, que as afirmações são sustentadas por dados mentirosos e tendenciosos.
“Esta narrativa não tem nenhuma semelhança com as conclusões de inúmeros trabalhos científicos, da realidade vivenciada pela sociedade civil ambientalista em suas ações, ou com aquilo que podemos simplesmente ver no campo nas regiões agrícolas do Brasil”, afirma.
Junto às medidas, os nomes escolhidos para o ministério também são fonte de preocupação por parte de ambientalistas. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já declarou considerar as discussões sobre o aquecimento global como secundárias, além de se mostrar favorável à aprovação do projeto de lei conhecido como “PL do Veneno”, que busca flexibilizar a comercialização de agrotóxicos no país. Como candidato a deputado federal nas eleições do ano passado, Salles já havia gerado controvérsia por sugerir, em uma imagem, o uso de armas como medida “contra a bandidagem no campo” e “contra a esquerda e o MST”.
Em dezembro do ano passado, Salles também foi condenado por improbidade administrativa por ter favorecido empresas de mineração com mudanças em mapas de zoneamento de áreas protegidas enquanto era secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, em 2016. Como ministro, ele chegou a questionar os dados sobre desmatamento e sinalizar a intenção de agilizar o licenciamento ambiental — afirmando que isso não significaria afrouxar as garantias para o meio ambiente.
A indicação do deputado Valdir Colatto (MDB-SC) para comandar o Serviço Florestal Brasileiro, anunciada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi outra a gerar apreensão. Colatto é membro da bancada ruralista e autor de um projeto de lei pela liberação da caça de animais silvestres no território brasileiro. Recentemente, a própria ministra afirmou que o Brasil deve permitir a exploração de terras indígenas pela agricultura comercial.
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Para Gerd Sparovek, nenhum dos anúncios feitos até agora pode ser visto como positivo para as áreas envolvidas nas mudanças. Ele diz que ainda é cedo para avaliar se as mudanças terão efeitos negativos sobre os temas, mas demonstra preocupação com o desmatamento. “Não há nenhum estudo científico ou avaliação setorial séria feita a nível nacional que demonstre que precisamos continuar desmatando, reverter terras indígenas ou unidades de conservação para garantir a nosso protagonismo no agronegócio”, diz o professor. “É claro que há interesses locais movendo estas ações, mas manter uma agenda expansionista e de degradação não interessa o Brasil como Estado”.
O temor também é evidenciado por Nilo D’Ávila, diretor de campanhas do Greenpeace. Segundo ele, embora a ideia de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura tenha sido deixada de lado pela recepção negativa, a lógica de adaptar o meio ambiente ao sistema produtivo é a que tem imperado. “O reconhecimento dos direitos dos povos indígenas é algo que não vai ter lugar nesse governo”, diz, destacando também os riscos em relação ao desmatamento, que já registrou alta.
Para os dois, a perda do protagonismo do Brasil em relação à agenda climática é outro risco iminente para os próximos quatro anos. Além de questionar a veracidade de temas como o aquecimento global, o presidente Jair Bolsonaro chegou a indicar a intenção de tirar o Brasil do Acordo de Paris — algo que, segundo o ministro, não irá acontecer “por ora”.
“As metas que o Brasil assumiu no Acordo são tímidas diante do potencial que o Brasil tem em contribuir com a pauta climática e em nada afetam a possibilidade de seu desenvolvimento econômico e social”, diz Sparovek. “Sair do Acordo ou abandonar qualquer outro dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil não é perigoso apenas para o Brasil. Os impactos terão dimensão global”.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se posicionou até a publicação desta reportagem.
FONTE: Época Notícias
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