O Ministério do Planejamento reconhece não ter dinheiro para bancar toda essa despesa dos benefícios que vão parar na Justiça
Brasília – A urgência na crise de segurança pública e a absoluta falta dos 308 votos mínimos necessários para que o governo aprovasse na Câmara a reforma da Previdência obrigaram o Planalto a mudar o foco para a intervenção federal no Rio. Mas não há como desconsiderar a existência do rombo nas contas previdenciárias. E ela ainda é agravada por outro motivo. Levantamento feito pelo Ministério do Planejamento a pedido da reportagem revela que o governo pagou R$ 56,76 bilhões em benefícios previdenciários via ações judiciais no ano passado. Isso equivale a uma despesa média mensal de R$ 4,73 bilhões e essa conta, para piorar, cresce mês a mês.
O assessor especial do ministério Arnaldo Lima reconhece que não há como bancar toda essa despesa judicializada e que, mesmo se isso fosse possível, essa medida não compensaria o adiamento da reforma da Previdência. Se a PEC fosse aprovada nos moldes da última proposta, a economia nas despesas com benefícios neste ano seria em torno de R$ 5 bilhões e chegaria a R$ 14 bilhões em 2019, custo adicional que agora deverá ser previsto no Orçamento do ano que vem.
Vale lembrar que o rombo previsto no Orçamento deste ano, apenas para o sistema de aposentadorias privado, o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), deverá somar R$ 190,3 bilhões, valor 4,6% acima do deficit de R$ 182 bilhões registrado em 2017. Logo, esses pagamentos de benefícios via decisões judiciais representam nada menos que 31,2% do buraco do RGPS no ano passado e pouco mais de 10% dos R$ 542,29 bilhões efetivamente pagos para os beneficiários do setor privado em 2017, de acordo com dados do Planejamento.
Lima fez o levantamento e ficou surpreso com o tamanho dessa fatura que está incluída, normalmente, nas despesas obrigatórias. Mas nem sempre elas podem ser previstas, por se tratarem de ações judiciais. “Esse é um primeiro mapeamento.Vamos tentar entender onde há decisões comuns e olhar detalhamento nesses dados para ter uma noção de quem está recebendo esses benefícios tem realmente direito”, disse Lima. O detalhamento será feito pelo Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (Cemap), órgão interministerial coordenado pelo Planejamento. “Após o detalhamento, vamos criar uma estratégia com nossos advogados para identificar as irregularidades e o passo seguinte será um diálog o com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para adotar uma visão mais coordenada das decisões judiciais”, explicou.
Conforme os dados, apenas cinco benefícios respondem por 80% dos R$ 56,76 bilhões pagos via decisão judicial. A liderança ficou empatada com as aposentadorias por idade e por tempo de serviço, com R$ 12,8 bilhões cada. Em seguida, a aposentadoria por invalidez, com R$ 9,5 bilhões, e, na sequência, pensão por morte (R$ 5,6 bilhões) e auxílio-doença (R$ 4,4 bilhões).
De acordo com Lima, 91% das ações judiciais para o pagamento das aposentadorias por idade beneficiam trabalhadores rurais. “Como esse beneficiário não trabalha com carteira assinada e não existe uma comprovação de contribuição ao INSS, apenas testemunhal ou de uma carta de sindicato, a judicialização acaba sendo mais provável”, destacou. O técnico contou que os casos dos auxílios-doença e aposentadorias por invalidez também acabam indo parar na Justiça porque dependem, muitas vezes, de perícia médica. Já as pensões por morte acabam sendo questionadas nos tribunais em função de vários fatores.
São Paulo é o estado com o maior volume em valores das despesas judicializadas entre os cinco principais elencados pelo Planejamento, respondendo por 23,56% do total, ou R$ 13,37 bilhões. Em segundo lugar ficou o Rio Grande do Sul, com R$ 6,59 bilhões. Minas Gerais, na terceira colocação, respondeu por R$ 5,20 bilhões; Santa Catarina, por R$ 4,13 bilhões, e, Paraná, por R$ 3,88 bilhões.
Lima contou que outro tema que será tratado pelo Cemap, em conjunto com o Ministério da Saúde, serão os custos judicializados com medicamentos, que, segundo ele, atingem mais de R$ 1 bilhão por ano. A União acaba arcando com os custos quando famílias entram na Justiça para terem acesso a remédios de alto custo em casos de enfermidade graves. “Talvez não seja agora que iniciaremos essa discussão, mas ela será retomada em algum momento”, destacou.
Benefícios indevidos O especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, reconhece que, apesar de o Orçamento ser engessado, com cerca de 90% das despesas sendo obrigatórias pela Constituição Nacional, é necessário passar um pente fino desses gastos. “Não há dúvidas que há vários itens classificados como obrigatórios, mas que podem ser revistos caso o governo passe um pente fino nessas despesas”, apostou ele. Ele cita como exemplo as despesas classificadas erroneamente como auxílios, para serem incluídas nessa obrigação constitucional, e que acabam sendo complementos salariais.
Estão nessa situação os auxílios-moradia e alimentação de servidores que, muitas vezes, já têm salários bastante elevados e, mesmo assim, recebem ajuda de custo para pagar aluguel. Inclusive aqueles que possuem imóvel próprio na mesma cidade onde trabalham. “A polêmica atual em torno do auxílio-moradia dos juízes mostrou, para a opinião pública, que algo está muito errado e que precisa ser revisto nessas despesas. Mas isso não deve ocorrer apenas no Judiciário, mas também, nos demais órgãos do Executivo e do Legislativo”, pontuou.
Branco citou um levantamento feito pela Contas Abertas em apenas cinco desses benefícios considerados penduricalhos. Neles, o gasto calculado foi de R$ 62,3 bilhões em 2017, o equivalente a mais de dois orçamentos do Bolsa- Família. Apenas o auxílio-doença urbano e rural representou cerca de R$ 30 bilhões. “Muitos desses ‘auxílios’ detalhados no Orçamento não constituem um privilégio, mas um direito social. No entanto, é curioso observar que o volume do auxílio-doença é muito elevado. Não duvido que existam fraudes”, completou.
Fonte: Estado de Minas
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